A ideia de um projeto para o Nordeste, no centro desse debate sobre a Transnordestina, deve nos levar a repensar o Brasil. E vale começar bem no passado. Lembrando que primeiro foi Hobbes, no séc. XVII, falando em uma “assembleia de homens que reduzem suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade”. Mais tarde Locke, definindo a base teórica do pensamento ocidental contemporâneo, com a compreensão de que “os homens são iguais e independentes.” Em seguida Rousseau pensando a liberdade, na sociedade, inseparável da igualdade, num grande pacto, “todos se tornando iguais por convenção e Direito”. E as ideias iluministas, com limitação nas prerrogativas do poder. A história recente da civilização acentua, crescentemente, o compromisso com igualdade e participação.
Aqui, esse espírito pode ser encontrado mesmo em Proclamação de D. Pedro (junho de 1822) a favor de “uma independência moderada pela unidade nacional”. Passa o tempo e a consolidação nacional revela preocupantes sinais de decomposição. É que, com a industrialização, foram articulados, em um único sistema econômico, regiões que, antes, se vinculavam de preferência com o exterior. E vivemos, hoje, uma complexa transição estrutural com reacomodação nas relações entre os centros de poder, econômico e político. Grave porque a opção por uma integração com a economia internacional, sem preocupação com a formação de um mercado interno forte, enfraquece consideravelmente os vínculos de solidariedade entre as distintas regiões do país. E o processo de modernização já não se ancora na integração das economias regionais, agravando a concentração da riqueza. “A regionalização dos interesses políticos”, diz Celso Furtado (em O Nordeste e a Saga do Sudene), “foi contida no passado pelo exercício de um poder hegemônico regional que vem sendo substituído pela independência dos interesses econômicos. E na fase formativa em que se encontra a economia brasileira o essencial é a ativação do potencial produtivo interno e a integração dos mercados regionais, principais fatores de dinamização econômica.” Preocupante é que nada mudou, substancialmente, desde quando esse texto foi escrito.
O discurso das elites do Brasil desenvolvido, em favor da igualdade, não considera que a unidade nacional tenha fundamento econômico e ético da distribuição dos frutos do desenvolvimento de maneira menos desigual. E deva se exercitar pela integração efetiva entre nossas diferentes economias. Sobretudo na questão dos investimentos. Primeiro tema que se aponta, em um processo assim, é a oposição entre irracionalidade coletiva e racionalidade específica, que constitui a essência do Dilema de Prisioneiro. Como os atores são prisioneiros de mútuas desconfianças, cada qual procurará maximizar seus interesses particulares, impedindo a afirmação de uma vontade coletiva. O que se vê, sem dúvida, também nos debates sobre a Reforma Tributária. Em situação de intensa competição, instituições ainda instáveis e regras sempre mudando, o país inevitavelmente é levado para a situação de um Macro-Dilema do Prisioneiro. Em que as elites políticas acabam priorizando comportamentos individualistas, sem que sejamos capazes de conversar sobre uma estratégia de ação coletiva. O que se opera em níveis diversificados: nas relações entre os diversos Estados da Federação; e, também, nas classes sociais economicamente privilegiadas, que não aceitam aumentar sua contribuição para a superação de desigualdades; nos cartórios privados, que se esforçarão por manter suas possessões; no corporativismo, pela manutenção de seus privilégios.
Grave, aqui, é que nossas desigualdades não vêm diminuindo. Nem entre os brasileiros. Nem entre as regiões do país. Desde 1930, adensaram-se as transferências econômicas para o Sul, a partir de um projeto de crescimento industrial acelerado. No fundo, e para compreender adequadamente esse diálogo Norte-Sul como tema de política interna, é antes preciso escapar da lógica liberal. Compreendendo que a livre competição seja exigência de espaços sociais e economicamente desenvolvidos; mas incapazes de operar, sem barreiras de proteção, em espaços social e economicamente oprimidos ou carentes. Por tudo, então, temos que ser capazes de pensar o Nordeste com nossas próprias cabeças. Sem esperar por atores políticos que, antes de pensar o país, priorizam sobretudo interesses de seus próprios grupos políticos. Ou seus bolsos. E sem contar com investimentos orçamentários que dificilmente virão, considerando o volume de nossa dívida pública. Seremos capazes disso? Ou vamos continuar, como na lição de seu Luiz, a só pedir esmolas?
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