Há cerca de onze anos, uma pesquisa revelava um curioso resultado sobre a nossa população e os nossos costumes: brasileiro toma muito banho, mas lava pouco as mãos. Pessoalmente, guardei essa revelação com o cuidado que ela requeria, afinal é pelas mãos que são transmitidas várias doenças. Guardei não, tomei-a como um acicate e um conselho para lavar as mãos com mais frequência….
Dez anos depois, em 2020, a pandemia do novo coronavírus nos apanhava a todos com suas imperiosas garras ou, dito de outra forma, ficamos todos em suas mãos e sem mais nos darmos as mãos com o habitual cumprimento. O costumeiro aperto de mão se atrofiou em punhos ou cotovelos que se tocam brevemente. Além da atrofia, não falta quem preveja a sua morte. Mas será mesmo que vai morrer esse cumprimento que parece ter nascido com o próprio ser humano? Ou, durante novos tempos pandêmicos, continuaremos a usá-lo, desde que saibamos que ambos, nós e os outros, estão com as mãos devidamente higienizadas? Ou, por que não?, apertaremos as mãos e logo em seguida as higienizaremos sem qualquer constrangimento perante amigos e estranhos?
Sobre esse tema inadiável e atual, vem de aparecer na Inglaterra o livro “The handshake, a gripping history” (ainda sem tradução no Brasil), de Ella Al-Shamahi, bióloga e paleoantropóloga. O título faz um trocadilho, aludindo ao verbo “to grip”, (segurar, agarrar), embora “gripping” signifique “emocionante”. Escrevendo num inglês comunicativo e coloquial, Al-Shamahi procura responder a perguntas cruciais: qual a origem do aperto de mão? O que ele significa? Qual o seu simbolismo? Será que testemunhamos o seu fim?, além de passar em revista, com científica erudição, a relação desse gesto tão humano no contexto de várias culturas.
Banido pela Covid-19 desde março de 2020, o aperto de mão está passando, por assim dizer, por um período de aperto! A autora logo antecipa que a explicação do cumprimento como uma declaração gestual de que não se tem armas na mão não passa de mito. A propósito, nota ela com bom humor, citando Gregory Poland, médico e vacinologista americano, uma mão por si só já é uma arma biológica! A Covid veio nos lembrar essa faceta esquecida. Com efeito, apesar do costume do cumprimento e do prazer que nos provoca, uma mão, por seu uso incessante, é, não tenhamos medo de dizer, uma coisa pouco higiênica!
Mas o aperto de mão, segundo os estudos de Al-Shamahi, não é apenas um gesto somente cultural, é biológico e provavelmente remonta a tempos antes da Pré-história. Os chimpanzés, nossos parentes tão próximos, também costumam usar um aperto de mão, o que, no caso deles, seria mais um aperto de dedos! Mais que de um cumprimento, a longa história do aperto de mão tem a ver com a própria história do toque na condição humana, ou seja, é um impulso inato. Assim, trazendo dados da biologia e da observação empírica e paleoantropológica ao redor do mundo, a autora termina por acreditar que o aperto de mão não morreu em março de 2020.
Especialista em neandertais, Al-Shamahi nos garante com dados da biologia evolucionária que esses nossos antepassados já usavam, sim, o aperto de mão. É muito provável que há 7 milhões de anos (convenhamos que um tempo impensável!) o aperto de mão já estivesse por aí, numa prova de que o toque é algo de importante para a saúde mental e mesmo para o desenvolvimento das crianças. Uma informação interessante é que os neurocientistas descobriram que uma interação social com aperto de mão diminui o impacto de uma impressão negativa, de possíveis mal-entendidos de interpretação. Ao que parece, o propósito biológico e o sentido social convergem para o amplo simbolismo de que goza esse cumprimento ao longo da História.
Naturalmente, para haver aperto de mão, é preciso que antes exista a própria mão, mas, pelo que sugere Al-Shamahi, mãos e apertos se perdem ou se acham na chamada “noite dos tempos”. Dessa forma, o milenar cumprimento tem tudo para continuar a fazer parte da nossa vida social. Até aqui, lembra a autora, nossas mãos foram, segundo Kant, o cérebro exterior do Homem (“man’s outer brain”). Assim deverão continuar.
Enfim, para a cientista, a volta do aperto de mão após a passagem da Covid “não é questão de ‘se’, mas de ‘quando’”. Oxalá todos os novos apertos se mostrem mais limpos e mais confiantes, selando, celebrando ou iniciando novas histórias! Quanto ao Brasil e aos brasileiros, espera-se que tenham aprendido a lição: lavar as mãos com frequência é investir na própria saúde.
comentários recentes