“Rat” by Banksy.

 

Não há nada tão ruim que não possa piorar.  O Congresso Nacional acaba de confirmar o brocardo, pois as notícias que nos chegam sobre o destino do projeto de lei de improbidade administrativa são aterradoras.  E o seu “leitmotiv” não é outro senão inibir, dificultar, obstaculizar a ação do Ministério Público Federal – MPF, em seu múnus de fiscal da lei, para salvar a pele de parlamentares delinquentes.  Registre-se, “ad perpetuam rei memoriam”, que apenas 13,1% dos parlamentares votaram contra o vergonhoso projeto, aprovado por todos os “petistas”, sepultando de vez qualquer discurso moralista que se atrevam a manter.  Inclusive, de maneira decepcionante, por seu líder, Carlos Zaratini, filho de Ricardo Zaratini, combatente da ditadura militar que resistiu a todas as torturas sem trair amigos nem convicções.

As manobras vêm de há bastante tempo.  O pacote de leis apresentado pelo MPF, com a assinatura de mais de um milhão de eleitores foi, escandalosamente, mutilado pela Câmara de Deputados, em uma madrugada trevosa, e foi dormir nas gavetas do Senado.  A Operação Lava Jato, com a anulação das condenações ao ex-presidente por uma duvidosa suspeição do juiz, ou uma não menos duvidosa incompetência do foro julgador, foi praticamente desativada.  E as centenas de parlamentares envolvidos em inquéritos empenham-se agora em consolidar suas espúrias conquistas, abrangendo o envio ilegal de recursos para paraísos fiscais, propinas de fornecedores do Estado, emendas parlamentares mutiladoras do Orçamento Público em proveito de particulares, etc, etc.

O espaço não permite dissecar as numerosas disposições do projeto de lei, mas algo pode ser oferecido como exemplo: a exigência de comprovação de dolo para os crimes de “colarinho branco”.  Ora, todos sabemos que a responsabilidade penal envolve as espécies de dolo e culpa.  No primeiro caso, quando o agente quer mesmo cometer o crime.  No segundo, quando se age por imprudência, negligência ou imperícia.

Cabe aqui observar que certos crimes não podem ser enquadrados na modalidade de culpa.  Pode um recebimento de propina, um desvio de dinheiro, uma emenda orçamentária barganhada ser delito praticado por negligência, imprudência ou imperícia?  Nesses casos, o dolo é implícito, e a exigência de uma comprovação é mera manobra diversionista, para protelar processos, constranger acusadores, proteger criminosos.

Outros casos, como o de só haver punição ao agente se o dano ao erário se consumar, ou só aplicar a pena de perda do mandato por delito cometido na mesma casa legislativa, têm o mesmo e único desiderato: livrar os delinquentes da cadeia.

E a nós, o que nos resta?  Condenar, denunciar, causar escândalo.  Só não podemos calar, porque, como proclamou o grande Unamuno, em seu último discurso perante o general fascista Millán Astray: “Há momentos em que calar é mentir.  Porque o silêncio pode ser tomado como aquiescência”.  Pobre Congresso!