Quase todos os dias, no fim da tarde, os dois caminhavam no calçadão da cidade. Conversavam muito. O avô falava mais, o neto, menos. Ao passar pelos transeuntes cumprimentavam-nos, sorrindo. Os dois eram, igualmente, mais efusivos em relação aos mais velhos e às crianças, menos em relação aos outros. E os transeuntes lhes respondiam sempre de forma gentil. A caminhada não costumava durar mais que uma hora, pois o sol morria cedo naquela cidade, em torno das 18 horas. Eles não gostavam de andar no escuro. A iluminação do calçadão não era perfeita, e corria uma versão de que, à noite, era perigoso, pois visitado por pequenos ladrões.
Eles moravam sozinhos em uma grande casa de madeira, daquelas que se veem em algumas regiões do sul do Brasil. A avó já havia partido há um pedaço de tempo, quando o neto tinha 10 anos. Agora, com 17, a dor da perda já havia passado, e apenas por alguns segundos batia a tristeza da perda. O mesmo não ocorria ao avô. Toda noite ao deitar lembrava da velha companheira com quem havia vivido por mais de três décadas. Embora ainda relativamente novo, nunca se interessou por outra mulher. Vivia de seu trabalho, do amor ao neto e seus hobbys, ler e jogar cartas. Este último hobby era o que lhe permitia encontrar os velhos amigos. Às vezes, mas poucas, ia ao cinema ou ao futebol.
Todo dia de manhã os dois tomavam café juntos, e partiam para seus destinos. O neto para a escola onde estudava, e o avô para outra escola, onde trabalhava como professor. A vizinhança os via frequentemente juntos cuidando das plantas, fazendo trabalhos domésticos de manutenção da velha casa, ou indo ao cinema ou ao futebol. O neto gostava da companhia do avô porque ele não ficava lhe cobrando atitudes. Via seus amigos com as mães sempre dizendo que não estavam corretamente vestidos, que não deviam chegar tarde em casa, que cuidassem das más companhias nas ruas, que deveriam estudar, acordar cedo etc. E comparava com o avô, que não lhe fazia comentários sobre a forma de se vestir e de se portar. Achava engraçadas as roupas folgadas e pretas que usava, os cabelos cumpridos, os brincos no rosto e as tatuagens nos braços. Não lhe dizia como se comportar, apenas perguntava, inquiria o que isso ou aquilo significava, ou porque ele gostava de uma coisa ou outra. Mas sempre despido de qualquer julgamento. Considerava-se feliz e curtia aquele velho, sempre disposto a se atualizar. Mesmo quando no final do mês chegava com uma menção ruim no boletim escolar, o velho não ralhava. Apenas perguntava: por quê? E inventava uma forma de fazê-lo interessar-se pelos conteúdos da disciplina em que não havia se saído bem. Era feliz com aquele velhote engraçado e carinhoso.
Um dia, ao chegar em casa, o avô se deparou com a casa em fogo. Correu desesperado para dentro da casa, sem saber se o neto lá se encontrava ou não. Multidão de pessoas se formou em volta da casa, enquanto chegavam a polícia, os bombeiros, os repórteres, a ambulância. Era um fogo que não acabava, e os vizinhos comentavam como aquilo havia começado, e onde estavam seus habitantes. Os bombeiros levaram algumas horas para conter o fogo. No final, restou pouco da casa, metais sobretudo. E as pessoas se foram.
No dia seguinte, no fim da tarde, o avô e o neto caminhavam, como sempre fizeram, no calçadão da cidade. O avô falando mais, o neto, menos. Cumprimentavam sorridentes todos os transeuntes, com mais ênfase aos mais velhos e às crianças. Porém os transeuntes não lhes respondiam ao cumprimento. E continuaram caminhando, sem se darem conta de que a noite se aproximava, com sua escuridão e pequenos ladrões.
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