O monstro da mentira – autor desconhecido.

 

Beleza do fazer. Na pólis grega, a era de ouro de Péricles, que governou Atenas de 444 a. C. a 429 a. C. Na Roma antiga, entre 500 a. C. e 27 a. C., prevaleceu a República. Com instituições públicas. Antes da tirania Cesarina.

Na Monarquia francesa, a queda da Bastilha. Alçado o estandarte dos direitos humanos da Revolução de 1789. Na Alemanha moderna, após a derruição do nazismo, a fundação do Bundestag, em 1949.

Isto lembra banalidade do mal. Que lembra Hannah Arendt. Segundo ela, banalidade do mal não é teoria. É fato. Trump e Bolsonaro cuidam de seus progressos pessoais. Eles não decidiram ser bons ou maus. Fazem política porque querem poder.

Eles não têm autêntica capacidade de pensar. Não se trata de patologia. Ou de ideologia. É mais prosaico. Superficial. Kant denominou de falta de mentalidade alargada. Não há dilema entre o bem e o mal. Há usufruto privado de bem público? Conluio. Troca. Orçamento.

No caso, não se considera radicalismo. Sequer, radicalidade. Mas, extremo. Para alcançar proveito. Compartilhado entre afilhados. Esmerilhado nas rubricas que tudo suportam. Nenhuma profundidade. São rasos. Banais. Sem raízes. Nem história. Ou fundamento científico.

A política se justifica no poder. Não no bem público aristotélico. Nem no modelo ideal Platônico. Poder puro. Nu. Exercido sem peias. Sem limites. Por isso, chega à violência. Este é o extremo da política poderista. A violência. Sob algumas formas. O aparelhamento do Estado. O fundamentalismo religioso para justificar curvaturas judiciais. Benesses seletivas. E a mentira. Ah, as mentiras.

Hannah Arendt escreveu: “Jamais alguém pôs em dúvida que verdade e política não se dão muito bem uma com a outra. Entre as virtudes políticas, não está a veracidade. (…) É da essência da verdade ser impotente e da essência do poder ser enganador?”.

Verdades são contingentes. Porque política é baseada em opiniões conflitantes. E não em conhecimento científico. Para a filósofa judia, o que constitui a dignidade da política é o conflito de opiniões. É a liberdade de poder afirmar, discordando. É o espaço público onde o exercício da liberdade testemunha a democracia. É o que não querem os negacionistas, os fundamentalistas, os banais, os violentos.

A mentira é abissal. Para Arendt, “o perigo de substituir a verdade factual por mentiras não é serem estas aceitas como verdade. E a verdade ser difamada como mentira. Mas é destruir o sentido no qual nos orientamos no mundo real”. Ou seja, perdemos o senso das coisas tal como elas existem. Baseadas no conhecimento, na história, nos valores.

Passa a valer a palavra do tirano. O embuste. Mistura repugnante e mortal entre falso e verdadeiro. Daí vem o que Arendt chamou de fabricação de imagem. Como a imagem não se ajusta à verdade, a imagem substitui a verdade. Organiza-se a mentira. Em palanques. Presenciais e virtuais. A diferença entre mentira política tradicional e mentira política moderna é o caminho entre ocultar e destruir.

A mentira política é filha do autoritarismo: criada uma imagem, seguidores seguem, querem acreditar. Independentemente de o conceito ser falso ou verdadeiro. O que conflita com a imagem é falso. Hannah Arendt acentuou: “As coisas podem ser como o mentiroso diz que são. Mentiras são plausíveis e mais atraentes que a realidade. Pois o mentiroso sabe, antes, o que a plateia quer ouvir”.

Apoiadores começam com o autoengano. Por causa de cargos. Ou por causa de verbas. Ocorre que a mentira política pode destruir a verdade factual. Mas, nunca, substituí-la. Algum dia, até por caminhos improváveis, os fatos se impõem. E, com eles, a verdade.