Ela me pediu, insistentemente, para que eu mandasse a gravação. “Mas é um áudio imenso, leva 16 minutos. Poupe-se disso.” Ela não se conformava. “Você falou que não há nada lá que eu já não tenha ouvido. Qual é o problema, então?” Sem saber, ela dava uma boa saída. “Não nego. Eis uma razão a mais para você não insistir. Não tem mesmo nada de novo.” “O que há de errado, então?” “Nada, já disse. E tudo, talvez. O único ponto que me incomoda é que eu talvez nunca tenha me ouvido falar sobre sentimentos daquele jeito. No caso, sobre você. Agora, é como se tudo ali devesse ficar quietinho aqui no meu celular. Entenda.” Ela não entendeu.

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Todos o olhavam com inusitada atenção naquela tarde. Ele prosseguia. “Ela é o ser humano de quem mais gosto. Na verdade, não tenho razão para esconder. Isso inclui meus pais, meus filhos, meus irmãos e até os melhores amigos. Gosto dela incondicionalmente, mesmo sabendo que ela pode arrastar o carro de corrida pelo guard-rail, e se arriscar a que uma faísca, apenas uma, ateie fogo ao carro, fazendo explodir o tanque de combustível. Eu sei que ela vai sair aos prantos e pedir ajuda, clamando que fez besteira. É um coquetel hormonal que não é fácil. Meia hora depois, ela está dançando na sala, como se continuasse sendo a mulher mais alegre do mundo.”

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“Ele está num daqueles estágios em que um olhar mais experiente aponta para uma roleta russa. Outros, mais condescendentes, vão dizer que está fazendo a coisa certa, se deixando levar pelas marés. Quanto a ela, imaginamos que esteja bem, que tenha o bom papel. Se há alguém em cujas mãos está a definição do jogo, esse alguém é ela. O que ninguém vê é que ela, apesar do temperamento estouvado, termina fazendo por ele tanto ou mais do que aparenta. Aliás, esse é um verbo que para ela não faz sentido. Ela não é de se guiar pelo que aparenta, apenas visceralmente pelo que sente. Há quem aposte que vão longe. Outros, que não. O que nos importa?”