Rubem Braga, Vinicius de Moraes, Paulo Mendes Campos, Stanislaw Ponte Preta, Fernando Sabino e Carlinhos Oliveira.

 

Tarde prosaica desta quinta-feira. Saio à procura do azul. E entro numa livraria. Busco livro sobre Política Social. Para completar a bibliografia de disciplina que dou este semestre. Nada. Já ia saindo, quando paro na estante de autores nacionais. Passo uma vista demoradamente rápida. E, leio: Os sabiás da crônica. Não é possível. Procurei-o durante mais de mês. E, agora, como uma manga colhida à mão, apanho a edição.

A propósito de Bossa Nova e Nara Leão, já disse que o Rio não são só paisagens. Belíssimas, sim. Mas o Rio são sobretudo as figuras que construíram a cultura carioca. Núcleo da célula fluminense. Do mesmo modo que na música, na crônica o Rio foi cidade fundadora. Imagine juntar numa editora, ou num apartamento em Ipanema, registro para a história, Rubem Braga, Vinicius de Moraes, Paulo Mendes Campos, Stanislaw Ponte Preta, Fernando Sabino e Carlinhos Oliveira.

Foi o que fizeram os fados em 1967. E o fotógrafo Paulo Garcez documentou. Até que a editora Amélia Mello, olhando foto, em 2021, teve a ideia brilhante de editar os sabiás da crônica brasileira. Mais que uma conjunção afetiva, um congresso de sensibilidades. Uma foto provocou isto tudo.

Augusto Massi, organizador da edição, citando Roland Barthes, repete que toda fotografia é um certificado de presença. Se assim é, que seja: os sabiás da crônica estão juntos. Reunidos. Inspirados pelos deuses do olimpo literário. Para disseminar a beleza de escrever. Valorizando as dobras do cotidiano. Enxergando o que outros não veem.

O primeiro ciclo da crônica foi de 1852 a 1897. No qual se destacavam Machado de Assis e José de Alencar. O segundo ciclo, de1897 a 1922, ressaltou João do Rio, Olavo Bilac e Lima Barreto. O terceiro ciclo, de 1922 a 1945, acentuou as obras de Mario de Andrade, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles.

Os seis sabiás da crônica, colecionados na edição de Massi, compõem o quarto ciclo de cronistas nacionais. Dois mineiros, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino; dois cariocas, Vinicius de Moraes e Stanislaw Ponte Preta; e dois capixabas, Rubem Braga e Carlinhos Oliveira. Preencheram o período de 1945 a 1972 quando foi encerrada a Editora Sabiá.

Dois episódios marcaram a atuação dos sabiás: o primeiro deles foi no âmbito da disputa entre as revistas O Cruzeiro, de Assis Chateaubriand, e Manchete, de Oscar Bloch. A revista dos Associados alcançara a liderança na circulação com 700 mil exemplares semanais. Então, os Bloch investiram no produto, renovaram graficamente a revista e levaram para suas páginas os sabiás da crônica. A circulação atingiu 1 milhão de exemplares por semana.

O segundo episódio foi a criação da revista Senhor, dirigida por Nahum Sirotsky, Paulo Francis e Luís Lobo. Representou um salto qualitativo no jornalismo cultural brasileiro. Edições finamente produzidas. Ilustradas por Carlos Scliar e Glauco Rodrigues. Com a participação dos sabiás. E mais Clarice Lispector e Antônio Maria. A revista circulou de 1959 a 1964.

Em um poema, João Cabral de Melo Neto escreveu: “Um galo sozinho não tece uma manhã; ele precisará sempre de outros galos”. Essa necessidade de juntar pessoas, talentos, afinidades, ocorre também com os sabiás.

Para que vocês tenham pálida ideia do tesouro reunido no livro dos sabiás, transcrevo trecho de crônica de Carlinhos Oliveira, de 8 de dezembro de 1960:

“Há pessoas que se ligam aos lugares onde moram de tal maneira que não se pode pensar em um sem pensar em outro. Não se pode falar de Rachel de Queiroz sem aludir à Ilha do Governador. A Lapa e Manuel Bandeira são nomes muito próximos um do outro. De Lúcio Cardoso, não se pode falar sem pensar em Minas Gerais e em alguns bares. Minas é o paraíso infernal que ele tem no coração. É o paraíso porque foi perdido. O inferno porque nesse lugar mitológico sopra constantemente um vento maligno que, às vezes, apaga o lume de castiçais. Minas e infância, para Lúcio Cardoso, são a mesma coisa; o Rio se confunde com sua maturidade”.