O eleitorado brasileiro está se concentrando nas duas escolhas mais fáceis e populistas – Lula e Bolsonaro – escolhendo entre o passado suspeito e mitificado e o presente demolidor do futuro. As tendências políticas que não acreditam no salvador da pátria e rejeitam o destruidor da nação têm demonstrado incompetência e dificuldades para a construção de uma alternativa atraente e eleitoralmente viável. O que já estava difícil, tende a piorar, depois que um grupo de intelectuais e políticos que se dizem independentes lançaram um manifesto defendendo o voto em Lula no primeiro turno, preferindo enterrar de vez as negociações em torno de candidatos alternativos viáveis. A oito meses das eleições, quando as federações partidárias sequer estão constituídas, as candidaturas ainda não estão definidas, e nem foram apresentados programas de governo, eles preferem apostar no aprofundamento da polarização eleitoral, ajudando a campanha de Lula à presidência. 

O manifesto é prematuro e comete um grande erro político quando pretende aprofundar a polarização, chamada de plebiscito “entre continuar o desastre ou retomar a estabilidade democrática-institucional”, e Lula seria o único político capaz de derrotar Bolsonaro. Os signatários tomam uma decisão baseada em dados incipientes e incompletos das pesquisas eleitorais que, além do mais, mostram (IPESPE) que não apenas Lula derrotaria Bolsonaro num eventual segundo turno: Ciro, Dória e Moro, com diferentes vantagens, também ganhariam de Bolsonaro. Ninguém duvida do favoritismo de Lula. Mas afirmar, como está no manifesto, que a História concedeu a ele a autoridade para a reconstrução do Brasil é, no mínimo, falacioso e muito exagerado. Embora seja procedente a preocupação dos signatários com os riscos de uma tentativa golpista de Bolsonaro, no caso da sua improvável reeleição, a orientação do voto em Lula no primeiro turno contribui para aumentar a fragilização de candidaturas alternativas. O que beneficia tanto Lula, quanto Bolsonaro. Na ausência de alternativas aos dois, uma parcela do eleitorado antipetista pode migrar para o demolidor: os conservadores, e mesmo muitos que não são de direita, mas rejeitam Lula por identificá-lo com a corrupção política e com a forte recessão econômica de 2014 a 2016 (não sem razão). 

Na medida em que Lula cresce, como parte do esvaziamento da terceira via, Bolsonaro passa a correr solto como o único concorrente do petista. E se Lula não vencer no primeiro turno, como defende o manifesto adesista? Pode vir a enfrentar, no segundo turno, um candidato fortalecido com votos que poderiam migrar da inviabilizada terceira via. Num eventual segundo turno contra Lula, Bolsonaro será tão mais ousado e perigoso (com maior capacidade de mobilizar golpistas) quanto menor a diferença dele para o candidato petista, na apuração do primeiro turno. Como Lula não vai tirar um voto de Bolsonaro, o quadro político no Brasil será muito diferente se o mentecapto ficar abaixo dos 20% ou ultrapassar os 35% dos votos, o que depende de uma terceira via pujante. Sem falar, na melhor das hipóteses, de ele sequer conseguir votos suficientes para ir ao segundo turno. 

Além desta reflexão estritamente eleitoral, o reforço da polarização Lula-Bolsonaro tende a provocar um grave empobrecimento e a imbecilização do debate eleitoral já no primeiro turno, virando uma troca de agressões (ao menos verbais) – ladrão, de um lado, e racista e negacionista, de outro.  O Brasil perde a oportunidade de discutir propostas para lidar com os grandes desafios nacionais, o conteúdo de um plano de reconstrução nacional de um país devastado pelo bolsonarismo. Pode ser muito conveniente para os dois, mas péssimo para a democracia brasileira e para a cultura política dos brasileiros. Como a História não concedeu nenhuma autoridade prévia a Lula para governar o país, ele tem que dizer como pretende reconstruir o Brasil (e convencer os eleitores no caminho). O manifesto afirma que “os acertos dos seus dois governos” mostrariam que Lula está preparado para “pacificar, governar e reconstruir o Brasil” e, exagero ufanista, “salvar o Brasil do abismo em que estamos”. Mesmo sem entrar no mérito desses “acertos”, o eleitorado precisa saber o que ele pretende fazer agora, diante da crise estrutural da sociedade e da economia. Até agora há motivos para desconfiar das propostas de reconstrução nacional que tem lançado, de forma esparsa, nos seus discursos em plena campanha. Ele pretende reconstruir o Brasil com a revogação do Teto de Gastos, para voltar à elevação descontrolada dos gastos públicos, que compromete o equilíbrio fiscal e restringe a capacidade de investimentos estruturadores? Ele espera dinamizar a economia e melhorar a competitividade econômica com a revogação da reforma trabalhista? Ele vai suspender as privatizações e ampliar as estatais, consolidando os privilégios das corporações e a permeabilidade à corrupção? Ele pretende forçar a Petrobrás a segurar o preço dos combustíveis, mesmos com prejuízo da empresa, ignorando que se trata de uma empresa global de capital aberto, que não pode ser um braço da demagogia governamental? 

Por este caminho, vai ser difícil Lula reconstruir o Brasil. Alguém pode dizer que não importa o que ele diz, já que, sendo muito pragmático, ele não fará nada do que propaga, porque não vai arriscar dar um cavalo de pau na economia. Então cuidado, não dá para saber se ele mente para o eleitor, ou vai mesmo apostar na retomada da desastrosa “nova matriz econômica” implementada pelo PT no governo de Dilma Rousseff. Como podem me convencer a votar em Lula logo no primeiro turno, se o que ele promete é apenas uma manipulação dos incautos eleitores? 

No primeiro turno, o mais sensato é votar em alguma candidato da terceira via, para contrabalançar a tendência de polarização e, principalmente, tirar votos de Bolsonaro, se possível para tirá-lo da disputa. De preferência, sem uma vitória de Lula no primeiro turno, reforçando o hegemonismo do PT. O segundo turno é outra eleição: se Bolsonaro passar para o segundo turno, deveremos votar no seu concorrente, seja Lula ou qualquer outro, porque o Brasil não aguenta mais quatro anos do mais desqualificado e destrutivo político da história brasileira.