Trabalhadores – Di Cavalcanti.

 

Resultado macroeconômico não decorre apenas de produção física. Onde estão embutidos investimentos em educação, ciência e tecnologia. Mas por algo intangível. Que não se toca. Mas que se sente. No bolso. E na alma.

Este algo se chama governança pública. E o que é governança pública? É gerir o Estado sob critérios objetivos. Levando em conta a lei, os propósitos coletivos e a sanidade fiscal. Critérios objetivos. Propósitos coletivos.

O atual governo incendiou a gestão pública brasileira. No contexto mais geral, não formulou plano de desenvolvimento. Não estimulou políticas estratégicas para a indústria, a tecnologia e a política externa. Abstenho-me, por pudor, de falar sobre saúde e educação.

No contexto específico da administração fiscal, arma-se uma bomba de efeito retardado. Cujos estilhaços vão alcançar gravemente o próximo governo. Por que? Porque o governo gasta sem fonte orçamentária, altera a Constituição para subtrair receita pública, promove benesses salariais a setores de sua base política, descredibiliza o gestor fiscal.

A consequência é o aumento da dívida pública. O comprometimento da sanidade fiscal. A diminuição da capacidade de investimento público. Com visão imediatista de curto prazo. Por que o governo pratica tal política suicida? Que foi respeitada por quatro períodos presidenciais (1994-98, 1998-2002, 2002-06, 2006-10)? Que gerou respeito de autoridades de entidades internacionais? Que garantiu controle de preços internos? Que possibilitou taxa de juros doméstica abaixo de 6%?

Porque o governo caiu em desespero. Diante do seu fracasso político e administrativo. Olhou no espelho das pesquisas. E, narcísico, viu a feiura. Consequente risco de não reeleição. Primeiro, entregou a chave do Tesouro ao Centrão. Inacreditável. Segundo, aceitou a introdução de uma extravagância chamada de orçamento secreto. Que permite a entrega recursos a parlamentares sem controle orçamentário. Ou seja, para uso a seu bel prazer. Terceiro, planeja alterações constitucionais para angariar recursos fiscais inexistentes. Porque, os que ainda existiam, foram entregues aos Partidos sob forma de financiamento eleitoral. A bagatela de R$ 4,9 bilhões.

Isto é o que está na aparência desoladora da política brasileira. Mas, há por trás dessas coisas práticas, terrivelmente tangíveis, muito mais. Há um conjunto desprezado de valores coletivos e comportamentos morais. Por exemplo, no caso de valores coletivos, o desrespeito ao contribuinte, ao dinheiro público. Que passou a ser visto e tratado como rito de passagem para o banho paradisíaco da reeleição. Por exemplo, no caso de comportamentos morais, o cinismo com que se defendem interesses pessoais, se protege o nepotismo, se busca construir castelos de blindagem, na esfera policial e judicial. E se descaracteriza, pela omissão, uma instituição, que é pilar republicano, a PGR.

Esta é uma cultura que resiste ao longo do tempo. O patrimonialismo. A mistura entre o público e o privado. Raymundo Faoro assim a denominou em Os Donos do Poder.  Mas, recentes episódios de violência, principalmente no Rio de Janeiro, sugerem que a morfologia do patrimonialismo está assumindo novas conexões. Antes, o patrimonialismo era exercitado no âmbito exclusivo de cargos e funções pública. Formando um estamento burocrático.

Agora, o patrimonialismo abre conexões na fresta aberta pela política de incentivo ao uso de armas do governo. Corolário de tolerância (chegando à convivência) com realidades milicianas. No século 21, patrimonialismo toma nova conformação: pela extensão de ação pública, tornada privada, por meio de associação entre agentes públicos e milícias.

O que se observa é que o patrimonialismo mostra nova morfologia. Não se limita ao aparelho estatal. Mas se expande ao território da violência, pela via transversa, da troca de favores. A cultura patrimonialista não é mais exercida por titulares. Está sendo terceirizada.

Basta !