A nova gestão do Pasquim era formada por um quinteto: Jaguar, Ziraldo, Henfil, Sérgio Cabral e Millôr. Prioridade: buscar alternativas para viabilizar o jornal. E esse foi o tom da abertura da entrevista de Millôr. Em março de 1971. A primeira de alguém da própria redação nas páginas do jornal.
Paulo Francis abriu a conversa citando o entrevistado anterior, o compositor Milton Nascimento. Para Francis, era absurdo que um músico ganhasse uma fortuna no país. Muito mais do que alguém que fosse autor de trabalho intelectual desenvolvido. Millôr não embarcou na provocação. Reconheceu o exagero de estar ali, como entrevistado. Porque a intenção dos entrevistadores era esculhambá-lo posteriormente.
Millôr acentua que a atividade musical é menor. E deveria ganhar menos. Jaguar e Sérgio Cabral rebatem. Cabral cita dez músicos populares que não fazem música sensorialmente: Tom, Caetano, Pixinguinha, Ernesto Nazareth. A conversa esquenta. Na metade da entrevista, o tema é o jornal. Ziraldo pergunta:
– O que você acha do Pasquim ?
Millôr responde:
– Você me pegou de surpresa. Porque nunca pensei sobre o jornal. Eu nunca disse que o Pasquim ia chegar ao número 3. O que eu disse foi: o Pasquim, se fosse independente, não chegaria ao terceiro mês. Se chegasse ao terceiro mês, não era mais independente. Se você pegar o jornal, verá exatamente que, no terceiro mês, ele deixou de ser independente. O Pasquim não é um órgão independente.
Apesar das confusões domésticas, junto ao público tudo melhorava. O jornal criava novas gírias. Recuperava para a luz do dia figuras que estavam na obscuridade. Foi o que aconteceu no número 95, de 29 de abril de 1971. Na entrevista com Madame Satã. Símbolo da Lapa, na qual a malandragem sucumbira. Onde pequenos golpes foram substituídos por agressividade e participação em gangues.
Madame Satã nascera em Pernambuco, em 1900. Menino, foi trocado ainda criança, pela mãe. Por uma égua. Depois de explorado e ter vivido como escravo, João Francisco, era seu nome, aterrissou na Lapa. Convivendo com malandros, prostitutas, gigolôs, bandidos e policiais. Trabalhou como garçom e cozinheiro. Em 1938, no Carnaval, ganhou o apelido de Madame Satã. Primeiro lugar no concurso de fantasia.
A história de Madame Satã encantou os leitores do jornal. A partir da capa: Madame Satã, dedo em riste, dizia que “aqui não tem homem pra mim”. Com mais de 70 anos, à época, após a entrevista, Madame Satã virou celebridade. Figura lendária do Rio, era encontrada em Copacabana com chapéu de cowboy, aos 75 anos, de bem com a vida.
Em 14 de julho de 1971, a edição 105 trazia na capa imensa manchete: TODO PAULISTA É BICHA. Só aproximando a vista do jornal era possível ler, em letras minúsculas, depois da palavra paulista, a expressão “que não gosta de mulher”.
Em maio, o jornal apresentou capa na qual Paulo Francis aparecia mandando beijo aos leitores. Na manchete, estava escrito: AGORA A COISA VAI. PAULO FRANCIS SE MANDOU. Ainda não era a partida definitiva do jornalista para Nova York. Mas o jornal aproveitava para fazer propaganda de seus correspondentes internacionais: Fausto Wolff, em Roma; Ivan Lessa, em Londres; Santos Fernando, em Lisboa.
Personagem discreto e avesso a entrevistas, ele seria a grande surpresa para os leitores do Pasquim: Carlos Drummond de Andrade. Convidado publicamente numa crônica de Sérgio Cabral: “Suplico ao senhor a gentileza de conceder entrevista ao Pasquim (…). Diz que dá, poeta”. O poeta, também publicamente, em crônica, respondeu: “Há cinquenta anos não faço outra coisa a não ser dar entrevista. Em verso, em carta, em papo. E você quer repeteco, bicho ? Não quero que o jornal publique matéria gasta. Um abraço à patota”.
Não disse nem que sim, nem que não. E deu a entrevista.
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