Fuga de cérebros.

 

João, com seu Doutorado em Psicologia, conseguiu emprego fixo. Andréia tornou-se importante executiva na área de recursos humanos. Com as filhinhas, faz três anos, se foram. Vez ou outra por aqui aparecem.

Laís teve lá dois filhos. A indústria da moda americana ganhou uma profissional competente e séria. No Recife, só vem de férias.

Doddi se tornou consultor internacional. Passou pelas maiores empresas do mundo, e agora dá cursos para os CEOs das grandes organizações na área da tecnologia da informação.

Tatiana, Doutora em Informática, e o marido “designer” viajam o mundo. Mesmo com trabalhos como “freelancer”, tem uma vida confortável e com boas perspectivas. Pode até dedicar-se à Yoga que lhe faz tão bem, inclusive dando aulas.

Armando, Juliana e Thiago são professores. Fixaram-se no Reino Unido. A London School agradece. Considerados brilhantes, embora jovens, já são do primeiro time.

Bruno ainda não foi embora. A pandemia permitiu que trabalhasse “on line”. Mas mudou seus horários, trabalhando nas madrugadas, para adequar-se aos horários da empresa do exterior que o contratou. Aguarda o momento em que será forçado a se transferir.

O que têm em comum esses personagens? Todos jovens, nos seus 30 ou 40 anos, bem formados, que optaram por uma vida fora do Brasil. Optar não é bem o termo, tiveram que emigrar, para poder manter os sonhos e a busca de uma vida digna e com esperança.

Conheci e convivi com todos. Frequentaram minha casa, foram amigos de meus filhos ou filhos de amigos queridos. Acompanhei suas vidas, seu crescimento, suas lutas.

Todos idealistas, todos buscavam um mundo melhor para seu país. Para onde me viro, encontro um exemplo desses. Como tiveram boa formação, estão individualmente bem, mas os ideais que os orientavam, o compromisso com um projeto de nação foi abandonado, pelo menos provisoriamente.

Planejaram suas vidas tendo por base um modelo de país que lhes venderam. Em que o conhecimento seria a base que alavancaria a nação, que faria com que, algum dia, pudéssemos realmente nos classificar como desenvolvidos. Em que a diminuição das desigualdades interpessoais de renda, regionais e territoriais, seria buscada através da interiorização das instituições de ensino, pesquisa e desenvolvimento, em que profissionais qualificados seriam valorizados e teriam espaço para participar dessa construção. Um país que não achincalharia a ciência, que não poria em dúvida os avanços do conhecimento na sociedade atual, por interesses meramente conjunturais ou de domínio do poder.

Infelizmente, o projeto foi abandonado prematuramente. E todos aqueles que se planejaram com essa perspectiva de sociedade se sentiram desorientados. Abandonar a nação foi o caminho natural. Perdemos milhões investidos em capacitação, estamos perdendo, celeremente, nossa elite pensante, a força da juventude transformadora.

Sinais claros da política de desmotivação podem ser vistos em medidas práticas adotadas. Embora formemos quase 90 mil mestres e doutores por ano, atualmente, os concursos públicos rarearam e dificilmente os conseguimos engajar nas instituições públicas. Nas instituições privadas, o modelo adotado também pouco insere jovens com perfil questionador e inventivo. Voltamos ao modelo em que menos oneroso parece ser simplesmente abrir o mercado para a importação de soluções prontas. Investir na capacidade criativa nacional traz riscos que não são estimulados pelas políticas públicas ou pelos interesses privados.

As bolsas de formação, mestrado e doutorado não são reajustadas faz mais de 8 anos. A inflação corroeu seu valor. Como bem ressaltou Odir Dellagostin, em artigo na Folha de São Paulo, as bolsas de mestrado, que chegaram a equivaler a seis salários mínimos, hoje valem menos de 1,3 salários, e uma de doutorado, que ultrapassava dez salários, não chega a dois hoje em dia. Esta realidade impede a dedicação exclusiva, concretamente, e ameaça a qualidade do aprendizado que está sendo dado. Mesmo um Pós-Doutor recebe hoje menos que cinquenta por cento do que recebia em 2010.

Uma tristeza, que leva a constatações de dados alarmantes.

Todo ano, o Instituto Europeu de Administração e Comércio Exterior, INSEAD, faz um levantamento para o Fórum de Davos sobre as perspectivas de empregabilidade de talentos em de 133 países. O último a que tive acesso é o de 2021. Nele encontro:

“No ranking dos países que mais mantêm profissionais qualificados, o Brasil despencou 25 posições de 2019 para 2020, passando da posição 45 para a 70. Quando se olha a lista das nações que mais atraem talentos, o país também caiu bastante em quatro anos: perdeu 28 posições.”

Empresas dos setores estratégicos na nova matriz tecnológica, além de instituições de ensino internacional, veem no Brasil um celeiro fértil de cérebros e sistematicamente, todo ano, têm levado os jovens mais promissores, sem necessitar fazer os pesados investimentos em formação. Estamos perdendo um capital importante, e investimentos que foram realizados não nos beneficiam.

Para reverter a situação, faz-se necessário mudar a lógica de fixação, apontando oportunidades e consolidando um sistema atrativo para as atividades de desenvolvimento no país. Sem perspectivas profissionais com a drástica interrupção do processo de interiorização das instituições estatais, sem a ampliação de perspectivas no setor produtivo, com a grave crise que enfrentamos, passamos por um processo claro da maior evasão de profissionais qualificados do país em anos recentes.

E o pior, a desilusão da juventude, o medo de que a democracia não prevaleça em nosso país, as manobras eleitoreiras, fazem com que mais jovens aventem sua saída, vejam no abandono de um projeto de real desenvolvimento o único caminho que lhes é permitido. Tenho escutado isso em diferentes ambientes.