Viajantes – Millôr Fernandes.

 

Escritores, e grandes personagens, têm suas manias – ou vícios, como preferirem. E é sempre bom lembrar La Rochefoucauld (Reflexões), “o que impede de nos entregarmos a um único vício é ter vários”. Beethoven, por exemplo, tomava café enquanto compunha sua 9ª Sinfonia. Como tinha refluxo, separava 60 grãos. O suficiente para fazer uma única xícara que ia bebendo, aos poucos, até a noite. Já com Voltaire eram 80 xícaras. Dizia sempre “claro que é um veneno lento” (a frase está em todas as suas biografias), mas morreu só com 83 anos – para sua época, um feito notável. Balzac bebia mais de 50, por dia; e ainda mastigava os grãos, depois, como se fosse amendoim. Monteiro Lobato misturava tudo com farinha de milho e rapadura. Joyce preferia chocolate. E Alexandre Dumas (pai), maçã. Quando tinha prazo para finalizar um trabalho, pedia à empregada para sair de casa levando todas as suas roupas, dado que só nu podia se concentrar e escrever.

Pedro Nava prendia os móveis de sua casa no chão, com pregos, para que ninguém os tirasse do lugar. Dorival Caymmi, compositor que mais músicas fez sobre o mar e os pescadores, não sabia nadar. Nem jamais pescou um peixe, na vida. Igual a Millor Fernandes; que, mesmo assim, acabou no Canadá vice-campeão mundial na pesca do Marlin. Edgar Rice Burroughs, criador de Tarzan, nunca esteve na África. Enquanto Guimarães Rosa, imortal autor de Grande sertão: veredas, conheceu o sertão uma única vez, montado num burro manso, e por apenas 15 minutos. Rosa se considerava um homem de sorte. Tanto que, na Segunda Guerra, saiu do apartamento e foi a uma kaffestube, do outro lado da rua, para se reabastecer de cigarros. Foi quando caiu uma bomba e destruiu seu prédio. O vício o salvou. Eleito para a Academia Brasileira de Letras, em 08/08/1963, passou quatro anos sem tomar posse, com receio do vaticínio de uma vidente, que previu sua morte caso assumisse a Cadeira 2. Até se convencer de que não precisaria se preocupar com previsões desse tipo. Erro grande. Que assumiu em 16/11/1967, com todos as pompas, para morrer três dias depois. Sorte no fumo, azar com a vidente. Rosa escreveu “viver vale sempre a pena” (Buriti), quase o mesmo que Pessoa, “tudo vale a pena” (Mar português). E ele próprio disse, na sua mais conhecida frase (em GSV), “a vida é um negócio muito perigoso”. É mesmo.