ARMADILHA ELEITORAL
A manifestação da soberania popular no primeiro turno da eleição foi desfavorável às alternativas situadas mais ao centro do espectro político, diferentemente do ocorrido no Congresso. Não é tarefa fácil para os politicólogos encontrarem uma resposta satisfatória aos recorrentes fiascos da chamada “terceira via”, aqui e alhures. Agora dois candidatos populistas protagonizam a campanha presidencial brasileira mais polarizada, acirrada e beligerante desde a democratização.
BATALHA DAS REJEIÇÕES
O país fraturado desabou em uma perspectiva binária “direita” versus “esquerda”, ou melhor, bolsonarismo contra lulopetismo. Vivemos uma campanha política inusitada, de aversões recíprocas. Jamais se usou tanto as expressões “nós e eles”, “o bem contra o mal”; nunca as “fakes” dos raivosos adversários se tornaram amiúde “pós-verdades” para suas frenéticas e fanáticas torcidas. A palavra de ordem é a distorção dos fatos e a manipulação do mundo real. De todo modo, espera-se que a decisão dos eleitores se baseie não somente em juízo de valor, mas também em certa dose de racionalidade.
COMPROMISSOS COM AVANÇOS
Sorte nossa que, afora os devotos radicais das seitas lulopetista e bolsonarista, a esmagadora maioria dos brasileiros deseja a democracia e outro tanto anseia por reformas que articulem a redução das desigualdades com o aumento da prosperidade. Do governante a ser eleito, o povo requer amplas transformações para o alcance de patamares mais elevado de justiça social e desenvolvimento econômico sustentável. Para tanto, a análise e o debate de planos de governos são indispensáveis.
LIBERDADE RIMA COM PROSPERIDADE
As intenções contidas no programa de governo bolsonarista são condizentes com as necessidades do país: compromisso com a liberdade de expressão; ampliação dos serviços de saúde com qualidade; acesso e permanência à educação em todos os níveis; segurança alimentar; desestatização e concessões da infraestrutura; fortalecimento do controle e da fiscalização das queimadas ilegais, do desmatamento e dos crimes ambientais; proteção dos direitos dos povos indígenas e quilombolas; desenvolvimento sustentável da Amazônia; fortalecimento do combate à corrupção; compromisso com a transparência e a ética na gestão pública federal.
OS GOVERNOS LULOPETISTAS
É sabido que os governos lulopetistas deixaram de fazer reformas indispensáveis ao país, mesmo quando tinham gigantesca popularidade, uma economia internacional benfazeja, uma imprensa complacente, um Judiciário discreto e um Congresso em coalizão com o Executivo. Naquelas administrações é também por demais conhecida a rede de corrupção institucionalizada, exposta graças à Lava Jato. Ao sequer reconhecer essa gravíssima proliferação do roubo sistêmico comprovado, a seita lulopetista sinaliza que pode tentar repeti-lo. É lamentável, se todo esse passado recente foi “esquecido” em nome de uma utopia ingênua. Mas é imperdoável, se for devido a uma tolerância moral com crimes e criminosos que não se redimiram.
O BOLSONARISMO EM NOVO MANDATO
Se o líder do bolsonarismo for eleito para mais um mandato na chefia do Executivo, a possibilidade de estabelecimento de uma autocracia no país, não parece crível, para não dizer bizarro. Na segunda metade do século passado, essa hipótese seria válida. Agora, ela é falaciosa. É reconhecido que os demais Poderes Republicanos não acalentam esse desatino. Sabe-se que STF não é simpático ao atual presidente e o Congresso não aspira perder fatias do bolo fermentado pelo “mensalão” e “petrolão”, e agora dispõe do “orçamento secreto”, cujo veto presidencial a este dispositivo parlamentar foi derrubado em plenário.
AUTORITARISMOS CONTEMPORÂNEOS
Há poucos setembros, a sociedade civil e as Forças Armadas repudiaram em definitivo a insensatez da erosão democrática. Enfim, os militares brasileiros estão vacinados contra ditaduras latinas clássicas (Cuba, Venezuela) ou pelo despotismo oriental híbrido (China) – todos simpatizados pelo lulopetismo. As democracias iliberais europeias (Hungria, Turquia), por sua vez, encontram simpatizantes em bolsões radicais bolsonaristas.
“ESTADO DO LÍDER”
Tudo isso corresponde a um insólito “cesarismo moderno”. Um sistema de domínio centrado na autoridade de um político salvacionista e na crença em sua extraordinária personalidade. Esse “Estado do Líder” assenta-se menos na intermediação partidária e em uma base de apoio parlamentar que no denso vínculo entre o líder e seus idólatras. Em tese, quando se conjugam um partido de massa, uma liderança com traços carismáticos, uma cúpula judiciária conivente e um parlamento cooptável, os riscos da institucionalização de alguma forma de autoritarismo, embora reduzidos, ainda existem.
CONTEXTO INTERNACIONAL IMPEDITIVO
A crise da democracia representativa é uma marca do nosso tempo. Contudo, no rescaldo da pandemia, o mundo em grave crise socioeconômica e diante de uma escalada da guerra na Europa não deseja o agravamento da ameaça da insegurança alimentar planetária, na hipótese de o Brasil entrar em uma imprevisível confrontação interna. Por conseguinte, inocular o medo, demonizando o bolsonarismo – que rebate da mesma forma – é um forte ingrediente da campanha lulopetista para tentar ganhar uma eleição marcada pela mentira e que não discute o essencial: o futuro do Brasil.
BOLSONARO E UMA AGENDA SÓCIO-LIBERAL REFORMISTA
O governo tem agido com acertos diante do cenário econômico internacional à beira de uma grave recessão. Apesar das atuais circunstâncias excepcionalmente adversas, nossa economia segue de maneira satisfatória em comparação com a maioria dos países.
Às vésperas do segundo turno da eleição, as pesquisas indicam empate técnico. O voto envergonhado, de um lado ou de outro, poderá decidir quem será o presidente. Em favor de uma agenda sócio-liberal e reformista, prefiro votar em Bolsonaro.
Caro Sérgio Alves,
A Revista Será?, desde sua origem, em 2012, sempre exerceu uma oposição propositiva a todas as atividades políticas não-republicanas, como a corrupção, por exemplo. Sempre nos preocupamos em produzir conhecimento voltado a esclarecer nossos leitores sobre valores civilizatórios, dentre estes, o mais importante: a democracia.
Claro que não estamos em busca de um inatingível consenso, pois isto é impossível, já que vemos a realidade sempre revestida com uma sutil camada dos nossos desejos, o que a deixa, aos olhos dos outros, sempre diferente do que vemos. É esta a beleza da democracia: construirmos nossas sociedades em uma ambiência onde as tensões e as diversidades de pensamento, de gênero, raça e religião, algumas vezes a contragosto, convivem em respeito mútuo – sob o domínio da Lei.
São milênios de guerras, duas das maiores bem próximas ao nosso século XXI, para atingirmos este modelo de governo. Digo e concordo com Fukuyama, autor de “O fim da história e o último homem”, que o fato de a humanidade ter atingido o estágio civilizatório da democracia – e quando escrevo, me vem à mente as lutas e as conquistas que impeliram a Revolução Gloriosa (1648), na Inglaterra, a Revolução dos Estados Unidos (1776) e a Revolução Francesa (1789), com todos seus autores, que os leio com avidez -, é uma espécie de patamar civilizatório final, se formos analisar as revoluções disruptivas na história da humanidade.
No estágio em que chegamos, só nos resta dois caminhos: o primeiro, é aprofundar e avançar os modelos de democracia, buscando ultrapassar as graves desigualdades sociais – estas tão velhas quanto a guerra. O outro, é regredir e voltar ao tempo da barbárie, do obscurantismo das ideias, do ódio contra o outro que pensa diferente de mim e do esmagamento do diálogo e da tolerância, fulcro da civilização.
No caso do Brasil, digo que a nossa História política recente nos preparou uma armadilha cruel, onde, armada pela radicalização ideológica, a nação inteira foi submetida ao perverso pêndulo da irracionalidade, onde imperam as paixões e não mais a razão. Assim, o Centro Democrático tem sido esmagado por este movimento pendular, nos forçando, na ausência de um líder estadista, a nos contentar com duas pobres opções.
Lula, que não foi inocentado e nem fez a autocrítica sobre os desvios de bilhões levantados pela Operação Lava Jato, numa decisão, até hoje questionável, volta a se viabilizar como o único líder capaz de se contrapor a fúria conservadora do bolsonarismo, que atrai para si uma perigosa frente ampla do mal, com fascistas, neonazistas e todas as forças que no mundo inteiro lutam contra a democracia, como bem definiu Larry Diamond, cientista político que cunhou o termo “recessão democrática” https://www.raps.org.br/webinar-com-larry-diamond-traca-panorama-de-recessao-democratica-global/
Assim, eleger Lula pode significar um passo importante para a democracia no Brasil e no mundo. Não estou – advirto – anistiando os erros do PT, estou apenas dizendo que nossa luta em defesa da democracia é muito superior e mais urgente do que qualquer simpatia ou antipatia que porventura eu tenha contra Lula e o PT.
É com este senso de urgência e de conhecimento da história da civilização que darei meu voto a Lula, em defesa da democracia e contras as forças perigosas e anti-civilizatórias do bolsonarismo – que tem suas conexões com o trumpismo nos EUA; com as “democracias iliberais” da Hungria, Turquia e Polônia; com o neofascismo na Itália e com a odienta a genocida ditadura de Putin.
Saudações
João Rego
Caro João Rego,
A qualidade do seu comentário crítico mereceria o esforço de uma tréplica, caso não houvesse sido concluído o infame processo eleitoral.
O candidato vitorioso foi Lula, a despeito de não ser “um líder estadista”, não ter sido “inocentado e nem fez a autocrítica sobre os desvios de bilhões levantados pela Operação Lava Jato”. Ao que acrescentaria: simpatizante de ditaduras latinas (Cuba, Nicaragua e Venezuela) e do despotismo na China.
Contudo, esse populista foi legitimamente eleito presidente de todos os brasileiros. Resta-nos, assim, sermos oposição propositiva e vigilante ao futuro governo lulopetista.
Agradeço sua minuciosa leitura e saúdo a pluralidade da Revista Será?
Cordialmente, Sérgio Alves.