É conhecida a passagem de um dos romances de Mario Vargas Llosa, quando Santiago Zavala, o Zavalita, protagonista de Conversa na Catedral (1969), se pergunta “cuando Peru se jodió”? A pergunta supõe uma leitura de um país que reitera eleição após eleição, presidente após presidente uma permanente incapacidade de seus governantes e uma ausência de perspectiva de futuro. E mais uma vez, de forma patética, o presidente Pedro Castillo foi destituído pelo Parlamento peruano depois de tentar um autogolpe que visava evitar seu afastamento.

Pedro Castillo foi eleito em 2021 e seu governo não durou mais do que um ano e meio, num país que em 10 anos não teve um único presidente que, eleito, terminasse o mandato e num único dia chegou a ter três presidentes. Com a destituição de Castilho, assume a vice-presidente Dina Bolarte, do mesmo partido, o Peru Libre, igualmente uma outsider, embora distinta de Castillo que efetivamente se apresentava como representante do chamado “Peru profundo”. Bolarte é uma advogada “capitalina” e isso faz diferença num país tão classista como o Peru. O que virá pela frente nenhum analista sério ousa prognosticar, além das suspeitas de que a instabilidade política dificilmente será superada.

Muitos se perguntam sobre as causas dessa entranhada instabilidade política sem, contudo, alcançarem respostas definitivas. É certo que a divisão da sociedade é algo evidente e que, mais do que polarizações, instalou-se no país uma fragmentação política que parece insuperável. O Peru já possui uma geografia diferenciada e difícil que separa Costa, Serra e Floresta, mas essa não é a razão de tanta fragmentação e muito menos da pobreza que afeta mais de um terço da população.

O processo de modernização peruano, que se arrasta desde as décadas de 1920 e 1930, contou com alguns momentos em que se equalizou alguma unidade social e política da Nação, mas foram processos de natureza autoritária, cada um deles legitimados pela lógica do tempo em que ocorreram. Foi assim com a ditadura de Augusto Leguía, nos anos vinte, com os militares de Velasco Alvarado, na década de 1960, e com Alberto Fujimori nos anos 1990, finalizando o século XX. Em meio a esses processos, movimentos alternativos e contestatórios não se fizeram ausentes, como o de Raul Haya de la Torre e José Carlos Mariátegui (embora distintos entre si) no início do século XX, as guerrilhas trostskistas ou pró-cubanas dos anos sessenta e as senderistas dos anos oitenta. Fazem parte dessa contestação expressões políticas que emergiram no século XXI e visavam expressar o mundo indígena e popular por meio de expectativas mais ilusórias do que realistas, como as candidaturas de Alejandro Toledo, Olantta Humala e Pedro Castillo, todos destituídos em virtude de processos judiciais que acabaram por permitir o impeachment de cada um deles.

Não resta dúvida de que o sistema político peruano é um sistema falido e sem capacidade de recuperação. Também não resta dúvida de que a Constituição fujimorista de 1993 perdeu completamente sua eficácia e legitimidade como unificadora da Nação. Não é à toa que o tema de uma nova Constituição seja uma expectativa generalizada sem, contudo, encontrar atores capazes de conduzir um processo de refundação do país.

A reação internacional à tentativa de golpe de Estado empreendida por Pedro Castillo foi rápida, o que, além de outros fatores internos, determinou a resolução da crise com o afastamento e consequente prisão de Castillo. Dentre as manifestações mais importantes estiveram a dos EUA, pela potência econômica e pelos muitos interesses em jogo, e a da Espanha pela conexão histórica com o Peru e por expressar antecipadamente a visão da União Europeia. A manifestação brasileira do Itamaraty foi protocolar e correta. A do PT foi sobretudo subliminar, enfatizando a “mácula” do impeachment de Dilma Rousseff.

Pedro Castillo chegou ao poder vencendo Keiko Fujimori por uma pequena margem. Castillo nunca atuou visando ampliar suas bases políticas de apoio no seu curto governo. Comparativamente, evitou seguir o roteiro dos presidentes recentemente eleitos do Chile, Gabriel Boric, da Colômbia, Gustavo Petro e do Brasil, Lula da Silva, o que ampliou gradativamente seu isolamento político. Seguramente não compreendeu a lógica mínima que pauta a disputa política e sua relação com a governabilidade no contexto democrático global no qual estamos inseridos. Internamente, foi desastroso ao estabelecer um recorde de 5 gabinetes num prazo tão curto de governo. Por fim, de acordo com as lideranças do seu próprio partido, precipitou-se ao imaginar que não havia outra saída para manter o mandato senão com o fechamento do Parlamento. Para suas bases restou apenas a desilusão e a desesperança.

Num plano mais geral e latino-americano, o fracasso de Castillo expressa a incorrigível pretensão de imaginar que ele representava mais um tento marcado no “irresistível avanço da esquerda” no subcontinente. Realisticamente, contudo, expressa mais uma vez a precária cultura política democrática no Peru e no conjunto da América Latina, ainda que tenha sido notável a manifestação de grupos populares em Lima, na contestação ao fechamento do Parlamento.

Por fim, resta a sensação de que o Peru não consegue nem identificar, e muito menos sair do seu labirinto. Pior, está enfermo e imerso num cenário no qual as alternativas parecem reduzir-se quase a zero.