Decisões sobre ações humanas são necessariamente associadas a uma referência temporal.  Do comezinho quotidiano ao mais alto nível de complexidade, o decidir-agir exige adequada temporalidade. No plano individual – “a vida é curta” é sábio lugar comum – há amplo arco que abarca os mais antenados ao tempo até os bem distantes disso, incluído o proverbial procrastinador, presente na literatura e na vida. E o tempo que rege nossa vida é titica diante do tempo do Universo. Portanto, a vida é curtíssima – até para todas as gerações conjuntamente. 

No plano bem mais amplo da Nação, parecemos estar mais próximos da procrastinação do que do da prudência no fazer mudanças. Procrastinamos na abolição da escravatura, na educação, na construção de nossa – ainda capenga – democracia. 

Intróito feito, que venha a temática deste ensaio. Há circunstâncias que impõem violar-se a procrastinação, quando se trata de ações e inações frente à presente era de eventos climáticos extremos. 

Ora, o mundo está diante de um padrão de mudanças ambientais que se revela único na história do Homem na Terra. A ação humana impacta no clima do Planeta, produzindo o Aquecimento Global, e isso se dá numa contingência de conhecimento parcial quanto a margem para previsões. Uma das consequências do Aquecimento Global é a elevação do nível dos oceanos, sobre o que se tem certa ideia do ritmo, mas estamos longe de certezas quanto a sua trajetória temporal. 

O aumento da temperatura do meio ambiente vem produzindo o degelo de chamadas geleiras eternas, sobre terras firmes, o que joga água nos mares e oceanos, adicionando-se ao degelo dos gelos oceânicos. Leva-se água à atmosfera, na forma de vapor. A própria elevação da temperatura na atmosfera enseja maior quantidade de vapor em suspensão. Movimentos do volume de água decorrente do degelo – misturando-se com águas superficiais na terra firme, águas infiltradas no subsolo, águas oceânicas e vapor atmosférico – compõem um conjunto de fatores cujo sentido geral de variação e ordem de grandeza pode ser estimado. Mas, não com suficiente precisão para previsões com pequeno, aceitável, grau de incerteza.

Um irreversível aumento sistemático do nível dos oceanos é firmemente conhecido. Há um piso mínimo anunciado pelo IPCC para esse aumento até o meio e o fim do atual século. Até lá a subida do nível médio dos oceanos estaria entre 0,26m e 0,77m se as emissões de gases estufa limitassem a elevação da temperatura a 1,5oC até o ano 2.100. E não mais se elevasse. Mas, o nível médio dos oceanos continuaria, em menor ritmo, a subir por séculos afora, asseguram cientistas. Todavia, a contenção necessária pactuada da emissão de gases estufa não foi atingida, como o IPCC almejava que seria, na COP27. Na verdade, tampouco se espera que seja cumprido o pactuado, pois a emissão de gases estufa, largamente maior que todas demais fontes somadas, decorre da extração (que, exceto a do carvão, continuou intocada – passando ao largo do pacto) e do consequente uso de combustíveis fósseis. Nada que frustre significativamente o lucro das sete irmãs petroleiras, nem do complexo extrativo-industrial garantidor do funcionamento do sistema produtivo. Ou seja, nada que ameace o usufruto de ambicionados bens de consumo das elites dos países chamados ‘em desenvolvimento’, e da maioria da população das nações-elite do mundo – as chamadas economias desenvolvidas. Portanto, o mínimo que se pode pensar em piso para a subida do mar na costa nordestina não é 0,26m. Muito mais realista é tomá-lo como a metade do intervalo entre a subida menor e a maior, previstas, se tivesse havido lugar para um pacto pró-redução da emissão de gases estufa, em linha com correspondente redução de produção da indústria petroleira. A menor subida seria conseguida se o pacto idealizado houvesse sido firmado, e fosse cumprido; um pacto que garantisse aumento de apenas 1,5oC na temperatura da baixa atmosfera, comparativamente às temperaturas vigentes anteriormente ao Aquecimento Global. A mais elevada, levando em conta o esquecimento de que os energéticos fósseis extraídos são usados como tal. Ou seja, faz-se atenuação, mas não a devida contenção. A metade do intervalo, 51cm, é seguramente mais realista para ser tomada como o mínimo de elevação do nível dos oceanos.

Ora, a capital de Pernambuco tem uma expressiva fração de sua área – a de ocupação considerada mais nobre juntamente com a mais pobre – representando baía de sedimentação, do que decorre chance de inutilização, por elevação do nível do mar em 5 decímetros, margem aqui  tomada como mínima já no ano 2100. Recife abrigará, então – já desguarnecidos de parte de seu potencial produtivo – os que, nascidos nestes anos 2020, estiverem vivos. Ajunte-se a informação de que os danos, que inviabilizam o uso de instalações, não são causados pelo nível médio das águas. Resultam de ondas das marés mais altas, empurradas por ventos mais fortes, como efeito do Aquecimento Global. Esta capital muito provavelmente chegará ao fim do século com significativa parte de sua área inviabilizada para uso corrente. E isso deve ser levado em conta. Desde já. Tratando-se de uma capital de estado – núcleo de um grande centro metropolitano – o enfrentamento da questão não deve ficar restrito ao âmbito municipal. É problema de todo o estado.

São vários os efeitos do Aquecimento Global sobre o estado de Pernambuco. Um estado que se destaca como baixo emissor de gases de efeito estufa: o segundo menor emissor de CO2e per capita entre os estados brasileiros. Em um país que apresenta baixa taxa de emissão per capita de gases de efeito estufa, visto ter optado por uma matriz energética literalmente renovável. É tão baixa a emissão que, fosse a emissão per capita mundial igual à pernambucana, certamente não estaria estabelecido, sequer percebido, o Aquecimento Global. Mas os efeitos locais não são uma punição à emissão local. São reação à ação humana global. Esperam-se – em Pernambuco – secas mais intensas, mais extensas, mais longas e mais frequentes. As três primeiras qualificações não necessariamente ocorrendo de modo simultâneo. Somam-se chuvas torrenciais mais intensas, podendo vir com o encerramento de secas, ou ocorrer em outro momento. Todo um conjunto de reações adaptativas deve ser meticulosamente estudado, para o que se recomenda atenção e acompanhamento do exercício de adaptação em condições semelhantes por outros povos.

A capital tem dois grandes problemas proporcionados pelo Aquecimento Global. Com o aumento da intensidade das precipitações, a maior pressão, já demonstrada, sobre áreas de estabilidade precária dos solos, nos morros que circundam a planície sedimentar, causando mortes entre vítimas de escorregamento de barreiras; e com a subida das águas oceânicas, o maior problema a afetar o futuro relativamente próximo. Para se lidar com o problema imediato, é imperativo que se vislumbrem meios para realocar pessoas habitando áreas de risco e seja impedido que novos habitantes se instalem nessas áreas. Para o problema mediato, vale considerar eventual surgimento de ideias locais, além de se acompanhar – com a devida atenção – o panorama propiciado por estudos, discussões, ações planejadas e executadas em áreas análogas no Brasil e no exterior; neste, destacando-se: o Sul da Flórida, nos EEUU; Lagos, na Nigéria; Alexandria, no Egito; e Jacarta, na Indonésia.

Todavia, ações e políticas públicas locais diretamente dirigidas à adaptação ao Aquecimento Global serão menos eficazes se a imensa dívida educacional brasileira continuar a ser fator adverso, nesta necessária adaptação. Ora, o avanço econômico-social não prescinde de componentes tecnológicos dominados pela microeletrônica. A tecnologia de comunicação, fundada na microeletrônica, não premia o conhecimento meramente intuitivo; demanda o conhecimento lógico abstrato. O desemprego e a baixa remuneração do subemprego, que contribuem fortemente para a pressão sobre habitação em áreas de risco são, por sua vez, alimentados pela dívida educacional. Com a hegemonia da microeletrônica, um bom nível de educação passou a ser requisito essencial para bons resultados concernentes a eficiência de aprendizado e a produtividade no dia a dia da construção socioeconômica.

O Brasil, só depois de se livrar do vício da leniência com inflação – não faz muito tempo – finalmente passou a gritar mais forte contra um atávico atraso educacional. Tivera o pensamento de Anisio Teixeira, com a experiência do Centro Educacional Carneiro Ribeiro; logo depois, os CIEPs de Brizola/Darcy Ribeiro, confinados temporalmente a meados do século passado e espacialmente às cidades de Salvador e o Rio de Janeiro.  No presente século, foram iniciadas experiências mais espacialmente difundidas do ensino público integral, modelo há muito certificado pela experiência europeia do estado de bem-estar social. Nesse mister, os estados de Pernambuco e do Ceará vêm ampliando o sistema de escolas integrais no ensino básico. Avançar – com professores bem capacitados e com avanços pedagógicos que novas tecnologias favorecem – é óbvia baliza requerida pelo sistema educacional. Desgraçadamente, tal imperativo não parece estar sendo, de forma hegemônica e inconteste, levado em conta com a devida atenção.   

É imperativo que o sistema produtivo venha a contar com mão-de-obra competente, em resposta a requisitos do hegemônico paradigma microeletrônico, e fazer a sociedade enfrentar sadiamente o sanar dívidas sociais seculares. E combater, com eficácia, os efeitos deletérios que o Aquecimento Global, célere, começa a trazer.