O presidente Lula da Silva tem toda a razão na sua preocupação com a crise econômica da vizinha Argentina, importante aliado e parceiro comercial, terceiro maior importador dos produtos brasileiros, atrás da China e dos Estados Unidos (mais de US$ 10 bilhões por ano). Mas não por sua pretensa amizade pessoal com o atual presidente da Argentina, Alberto Fernandes, ou possível afinidade ideológica com o peronismo. Com uma inflação de mais 100% ao ano e quase sem reservas cambiais, a Argentina está à beira da insolvência, e com risco de convulsão social, com impactos relevantes na economia brasileira. Como um grande líder popular, o presidente Lula costuma confundir-se com o Estado brasileiro, e tratar as relações políticas e diplomáticas como um entendimento entre amigos. “Eu e meu governo, afirmou, estamos solidários à luta que o governo argentino, do nosso amigo Alberto Fernández, faz com relação à situação econômica dentro da Argentina…. e me comprometi que vou fazer todo e qualquer sacrifício para que a gente possa ajudar a Argentina nesse momento difícil”. 

Sabemos que Lula está falando do sacrifício que deve fazer o Estado brasileiro para ajudar a Argentina a superar a grave econômica e social, no que está certo. Mas o seu discurso expressa o seu personalismo no trato da coisa pública. “Eu”, “meu amigo”, “fazer todo e qualquer sacrifício”, Lula se sente como se fosse o Brasil, e mistura amizade e afinidade ideológica com interesse do Estado, com atenção especial ao presidente da Argentina, que é seu amigo. É evidente que interessa ao Brasil a recuperação da economia argentina, embora tenha poucos poderes para ajudar nessa difícil tarefa. Por isso, é acertada a criação de uma linha de financiamento para as empresas brasileiras exportarem seus produtos para o país vizinho, como está negociando o governo que, evidentemente, beneficia também a economia brasileira. Todo país exportador tem linha de crédito para apoiar os negócios externos das empresas, e o Brasil não pode ser diferente. Os importadores argentinos já não estão pagando os dólares devidos de negócios anteriores e, dificilmente terão condições de cumprir os compromissos de novas importações. Segundo o ministro Fernando Haddad, mais de 200 empresas brasileiras não estão mais exportando nem recebendo pagamento pelo que já venderam aos argentinos. 

O problema é o risco do crédito de insolvência e calote de um país num processo acelerado de decadência econômica e desorganização política. Outro ponto delicado desta operação é a moeda que será utilizada nos contratos de exportação brasileira, uma vez que Fernandes e Lula falam em evitar o dólar como referência. Podem recorrer ao pagamento em moeda local. Ou vão preferir utilizar o yuan (moeda chinesa) como referência cambial, substituto da moeda norte-americana? 

Lula afirmou que ia mandar Haddad à China negociar com o banco dos BRICS para que a instituição financeira seja avalista dos empréstimos brasileiros à Argentina. Quem dá garantia assume o risco. O Brasil transfere para este banco o risco de insolvência e calote da Argentina, cobrindo o rombo do comércio externo do Brasil. Mesmo que a China também esteja preocupada com o futuro da Argentina, não parece razoável que o banco dos BRICS seja uma instância garantidora do comércio entre as nações, especialmente considerando que a Argentina não é membro do grupo. Lula deve imaginar que, sendo Dilma Rousseff a presidente do banco, ele consegue envolver a instituição financeira numa arriscada operação de crédito. 

Uma mistura de personalismo com voluntarismo leva o presidente brasileiro a afirmar que iria pedir ao FMI para que “tirasse a faca do pescoço da Argentina”. O FMI tem regras e não será um pedido de Lula que tirará a tal faca do pescoço. O Fundo financia os países em crise cambial com juros baixos e, em compensação, cobra a implantação de políticas que levem à superação das dificuldades econômicas. São draconianas? É possível. E podem ser questionados os seus resultados. Mas se trata de um acordo em torno de medidas para o reequilíbrio da economia e a recuperação da capacidade de pagamento do beneficiário do financiamento. No caso específico da crise atual da Argentina, o governo peronista busca uma renegociação para rolar os vencimentos de um empréstimo do FMI de US$ 44 bilhões que, como mostram os dados, não teve nenhuma eficácia na recuperação da capacidade cambial do país. 

A situação da Argentina é grave e tem impactos negativos na economia brasileira. O Brasil deve, portanto, “fazer o que for possível” para tirar o país vizinho do abismo. Mas deve considerar as enormes dificuldades e as grandes incertezas políticas, principalmente quando se consideram as próximas eleições gerais que elegerão o Legislativo e o novo Presidente da República. Fatores sobre os quais o Brasil não tem qualquer controle.