Mais um Ministro na praça. Agora, o advogado pessoal (criminal) do presidente da República. Não há, que eu saiba, precedente no mundo. Por essas e outras, muitas perguntas vem sendo feitas em torno do Supremo. Muitas. E vale a pena tentar responder algumas delas.
1. Em relação ao NÚMERO DE MINISTROS. Não há um padrão único. Canadá, Estados Unidos e França são 9. Brasil, 11. Espanha e Inglaterra, 12. Itália, 15. Alemanha, 16. Israel, 30. Índia 31. Portugal, 60.
2. Em relação a MANDATOS. França, Itália e Portugal tem mandato de 9 anos, para cada ministro. Alemanha, 12. Índia, até os 65 anos. Brasil, até os 75 anos. Nos Estados Unidos (só os federais) e Canadá (todos os juízes), são vitalícios. Bom lembrar que, nos Estados Unidos, a idade média dos juízes nomeados é 45 anos. E eles se eternizam em seus cargos. John Marshall assumiu, em 1801, a presidência da Suprema Corte. Permanecendo, nessa função, até sua morte em 1835 (durante 34 anos, pois).
3. Em relação à RECUSA de ministros indicados. Nos Estados Unidos, em toda sua história, o Senado rejeitou 12 indicações presidenciais para a Suprema Corte. Mais recentemente, e só no governo Reagan, 3. 4 viram suas indicações naufragar antes mesmo das sabatinas. Como curiosidade, entre eles, Harriet Miers em 2005 – considerada, por democratas e republicanos, despreparada para o cargo; e Douglas Ginsburg, em 1987 – pela revelação de que havia fumado maconha na vida adulta (jovem, por lá, se aceita). E tudo se faz de forma negociada. Neil Gorsuch, por exemplo, juiz federal de recursos em Denver (Colorado), não era o mais conservador, na trinca de juízes apontados como candidatos. Nem o preferido por Trump. Mas era o mais aceitável, por senadores centristas que logo decidiriam sua confirmação (em 17/1/2017). Já Brett Kavanaugh, indicado por Trump (em 7/9/2018), foi contestado por denúncias de assédio sexual. Mas acabou aprovado, pelo Senado, por minguado 2 votos (em 6/10/2018).
No Brasil, segundo a Constituição de 1891, nomeados pelo Presidente da República deveriam ser submetidos à aprovação do Senado. Com 3 diferenças relevantes, em relação a hoje: I. O indicado assumia o cargo antes mesmo da aprovação; II. O debate se dava em sessão secreta; sem haver, necessariamente, uma sabatina pública. III. A Constituição definia que o indicado deveria ter notável saber – sem especificar um notório saber jurídico, como ocorre hoje.
A última vez em que senadores rejeitaram algum nome, para o Supremo, se deu há bem mais de 100 anos. No governo de Floriano Peixoto. E foram logo 5. O subprocurador da República Antônio Caetano Seve Navarro e o diretor dos Correios Demósthenes da Silveira Lobo, por razões ignoradas, dado terem se perdido as atas destas sessões secretas. Cândido Barata Ribeiro, pai do humorista Agildo Ribeiro, ex-prefeito do Rio de Janeiro e médico por formação, apesar de parecer da Comissão de Justiça e Legislação ter ponderado que “esse requisito de notável saber, exigido pela Constituição, refere-se principalmente à habilitação científica em alto grau nas matérias sobre as quais o tribunal tem de pronunciar-se”. E os generais Innocêncio Galvão de Queiroz e Francisco Raymundo Ewerton Quadros, apesar de formados em direito, por terem dedicado suas vidas profissionais apenas ao Exército. Sem contar já depois, na Nova República, o caso de Aluízio Alves – indicado para o STM e que desistiu da nomeação (por sentir que o Senado não o recomendaria).
4. Em relação a QUEM INDICA os ministros, novamente não há um único padrão.
Canadá. São indicados pelo Governador Geral – sendo, ao menos, 3 de Quebec. E só podem ser indicados membros de Cortes Superiores e advogados com, ao menos, 15 anos de prática.
França. Escolhidos, alternadamente, pelo presidente da República, pelo Senado e pela Câmara. E fazem parte da Côrte os ex-Presidentes da República, todos eles, que podem nem ser juristas. Em tese, essa Côrte pode ser formada, majoritariamente, por quem não tenha formação jurídica. Sendo, um terço dela, renovada a cada 3 anos.
Espanha. Nomeados por Decreto Real. Indicados, alternadamente, 4 pelo Congresso, 4 pelo Senado, 2 pelo Governo e 2 pelo Conselho Geral do Poder Judiciário. Requisito apenas é ter mais que 15 anos de experiência.
Portugal. 3 vagas em 5, nos tribunais de Relação, são reservadas a juízes. 1 em 5, para Ministério Público. E 1 em 5, para advogados.
Itália. Nomeações divididas, igualmente, entre os três Poderes: 1/3 de seus integrantes indicados pelo Presidente, 1/3 pelo Parlamento e 1/3, pelas Cortes Superiores.
Alemanha. Escolhas feitas pelas duas Casas Legislativas: o Bundestag (uma espécie de Câmara) elege metade e o Bundesrat (uma espécie de Senado) a outra metade.
Israel. Escolhas feitas por um colegiado formado por 9 membros: sendo 3 juízes do Supremo, 2 ministros do governo (1 deles, necessariamente, o da Justiça), 2 deputados e 2 representantes da Ordem dos Advogados.
Chile. Presidente nomeia os ministros a partir de uma lista de 5 nomes, indicados pela própria Corte.
Inglaterra. Indicações pela House of Lords.
Índia. Apesar de a Constituição estabelecer que o presidente deve indicar os ministros, o Supremo de lá decidiu, há mais de 20 anos, que um collegium formado pelo Presidente da Corte e pelos 4 ministros mais antigos é que escolheria os novos membros. Proposta de um colegiado mais plural chegou a ser aprovada, pelo Parlamento, em 2014. Mas foi derrubada, um ano depois, pelo próprio Supremo. Como o do Brasil, o de lá quer mesmo é o Poder Supremo.
Em Argentina, Brasil, Estados Unidos, Noruega e Turquia o Presidente da República escolhe livremente. Aqui, exigindo-se apenas ter mais de 35 e menos de 65 anos, notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101 da atual Constituição).
P.S. Meu pai dizia sempre “o que um homem só não faz, um homem e uma garrafa é capaz de fazer”. Adaptando essa frase, aos conturbados dias de hoje, digo eu: “O que um Ministro só não faz, um Ministro e uma vaga no Supremo é capaz de fazer”. Sai barato demais. A alma vale mais que um cargo, senhores. Como dizia Pessoa (Campos, Dois exertos de odes), “a alma é grande e a vida é pequena”. Novamente com o velho, lembro dele dizer que algumas situações mostram “como pode elevar-se, e a quanto pode rebaixar-se, a natureza humana”. É o caso. Só não entendo é como dormem, à noite. A consciência não pesa? E tudo sob o silêncio cúmplice da Grande Mídia e de tantos que se dizem democratas. Todos empoados. Velhos, por dentro. Falsos, como a “falsa tartaruga” de Carroll (Alice).
Com meus cumprimentos pelo excelente texto, faço apenas um retoque sem maior relevância, no sexto parágrafo: Cândido Barata Ribeiro era na verdade tio-avô do ator e humorista Agildo Ribeiro. Este era filho do líder revolucionário Agildo Barata, que, por sua vez, era filho de Atanagildo, irmão de Cândido, o médico que foi indicado por Floriano Peixoto para o STF.
MAGISTRAL.