Para José Henrique Wanderley Filho e
Antônio Carlos Monteiro (em memória).
Acesso o jornal na internet. Edição da quinta-feira, 20 de julho de 2023. Vejo a foto do encontro, em Pequim, entre Henry Kissinger, hoje com cem anos, e Xi Jinping, presidente da República da China. Entre outros valores, a imagem vale um século.
A notícia me lembrou dois fatos anteriores: o encontro entre os ex-presidentes, Richard Nixon e Mao Tse Tung, em 21 de fevereiro de 1972, na capital chinesa. E o acordo de paz, firmado entre os Estados Unidos e o Vietnam, em Paris, em 27 de janeiro de 1973.
A visita do então presidente Nixon a Mao Tse Tung foi uma inspiração Kissingeriana. E abriu perspectiva, até então improvável, de diálogo entre os polos de poder mundial. A esfera do possível foi ampliada. E as tensões internacionais diminuíram. A ida de Nixon a Pequim foi precedida por uma viagem secreta de Kissinger à capital chinesa em 1971.
É provável que o acordo de paz no Vietnã entre vietnamitas e americanos, em 1973, em Paris, tenha sido a primeira consequência da visita de Nixon a Mao Tse Tung. Embora a paz fosse, àquela altura, fruto maduro. Por causa da pressão interna, nos Estados Unidos, contra a guerra. As conversações duraram mais de quatro anos. Ocorreram nos arredores da capital francesa.
Os vietnamitas ocupavam uma casa. Os americanos se instalaram numa outra residência próxima. E os dois grupos se reuniam numa terceira casa. Obedecia-se a um método de trabalho. Com dias e horários fixados de conversas. Foi um longo e penoso esforço de negociação.
Mais uma vez, Kissinger estava presente. E, do lado do Vietnam, funcionou, como conselheiro especial, Le Duc Tho. Ambos, foram distinguidos, no ano do acordo, com o prêmio Nobel da Paz. O americano foi receber seu troféu. O norte vietnamita o recusou. Le Duc Tho e Jean Paul Sartre foram dois indicados a recusar o prêmio.
Pois bem. Voltando a 2023, Kissinger é recebido, com honras de chefe de Estado, por Xi Jinping. E tratado como “velho amigo”, na expressão usada pelo líder chinês. Ano passado, o ex-secretário de Estado americano (de 1973 a 1977) publicou mais um livro: Liderança, Seis estudos sobre estratégia (traduzido no Brasil pela Objetiva). No livro, o autor analisa o desempenho de seis líderes: Konrad Adenauer, Charles de Gaulle, Richard Nixon, Anwar Sadat, Lee Kuan Yew e Margareth Tatcher.
A primeira observação do autor é a de que os líderes ocidentais, ao longo do século 20, vestiram outra roupa. Abandonaram o modelo de liderança aristocrática e passaram a cultivar o modelo meritocrático e democratizante. O nepotismo perdeu para o talento. E a justificativa moral destacou a inteligência de cada um. A aristocracia cedeu lugar à classe média.
Observe: Adenauer foi suboficial do exército prussiano; o pai de de Gaulle era professor de escola; Nixon era filho da baixa classe média da Califórnia; Sadat descendia de família de funcionários públicos; Lee Kuan dependia de bolsas de estudo para se educar; e Tatcher era filha de dono de mercearia.
Segundo Kissinger, esses líderes tinham características em comum: a primeira é aguda percepção da realidade. Sabendo diferenciar o que é significativo do ordinário. A segunda característica é a criatividade. A capacidade de inventar, de encontrar saídas para os problemas. A terceira característica é a importância da solidão. De ouvir o silêncio. De conversar consigo mesmo. Adenauer criava seu próprio exílio. De Gaulle isolava-se em Colombey-Les Deux-Églises. Nixon ia para o rancho em San Clemente. Tatcher, de manhã cedo, sentava numa cadeira na cozinha. E tomava decisões.
A quarta característica é que esses líderes não lutavam para obter consenso. A controvérsia era resultado esperado. Era consequência inevitável da transformação que eles buscavam promover. Foi assim com De Gaulle, na Argélia; com Churchill, ante seu gabinete, para enfrentar Hitler; com Tatcher no enfrentamento dos mineiros. Certa vez, um oficial francês disse a Kissinger: “Toda vez que de Gaulle aparecia, dividia o país”.
Em certo trecho do livro, Kissinger faz a seguinte reflexão sobre os papéis de China e Estados Unidos: A China parece engajada em protagonismo internacional. Os Estados Unidos, por sua vez, agem para projetar poder e diplomacia. Enraizados em suas próprias experiências históricas. As exigências de segurança são óbvias em si. Contudo, a segurança é apenas parte da equação. A questão crucial para o futuro do mundo é se os dois titãs podem aprender a combinar rivalidade estratégica e uma prática de coexistência.
No final do livro, Kissinger lembra Maquiavel nos Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio: “O enfraquecimento da liderança é induzido por longos períodos de tranquilidade. Quando as sociedades são abençoadas por tempos pacíficos. O povo pode seguir um homem considerado bom por uma autoilusão comum. Ou alguém promovido por homens mais inclinados a desejar favores especiais do que bem comum. Mas posteriormente, sob impacto de tempos adversos, essa ilusão é desfeita. E, por necessidade, o povo se volta àqueles que em tempos tranquilos ficaram quase esquecidos”.
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