Desde cedo, a Independência tem um sabor: desfile da tropa. Um gosto de infância. Soldados, tanques, aviões. O palanque. As autoridades. Comandantes militares. Os civis, convidados. A imagem mais conhecida do episódio, D. Pedro a cavalo, induz um sentido de batalha.

Mas, não foi bem assim. De acordo com Carlos Guilherme Mota (História do Brasil, Senac, São Paulo, 2008), a independência não foi um grito. Foi um processo. E não foi militar. Foi civil.

Para ele, três razões levaram o Brasil a se tornar independente: primeira, as atitudes recolonizadoras das Cortes portuguesas, gerando reação dos brasileiros. Segunda razão, a atuação de líderes civis, como o ministro José Bonifácio de Andrada e Silva e o deputado Evaristo da Veiga, em defesa da autonomia nacional. E, terceira razão, a adesão popular nas ruas em apoio ao movimento pela independência.

A primeira razão fala por si. A segunda razão está ligada à política. Ao senso de unidade nacional de José Bonifácio. E ao espírito liberal de Evaristo. E a terceira razão relaciona-se à voz da rua. De uma opinião pública em formação. De um espírito cívico, civil. Está formada a trilogia da independência: sentido de autonomia de país, senso de unidade nacional e espírito civil.

A figura de José Bonifácio merece destaque. Ministro em janeiro de 1822, trabalhou, no conselho do Império, pela independência. Sua formação intelectual em Coimbra e sua experiência europeia contribuíram para firme postura autonomista. Na prática, ele funcionou como mentor de dupla arquitetura. Para dentro do Brasil, nas políticas de organização política e de combate à escravidão. E, para fora do Brasil, na política externa, visando consolidar o reconhecimento do país como senhor soberano de suas decisões.

Por sua vez, o historiador José Murilo de Carvalho, em Os Bestializados (1987) e Formação das Almas (1988), reconhece a ausência de uma cultura cívica na formação brasileira. Para José Murilo, diferente das elites da América hispânica, as elites brasileiras produziram unidade política. Por causa de sua formação ideológica na Universidade de Coimbra. Com sentido burocrático e autoritário.

Mas, em seguida, o historiador ressalta o relacionamento político tenso entre o Estado weberiano modernizador e a sociedade escravista conservadora. Resistente ao processo de modernização social. Que vinha no rastro da urbanização e da industrialização. Na verdade, quanto mais o Estado usava instrumentos autoritários para liberalizar a sociedade pelo alto, mais solapava sua própria legitimidade.

Daí, os eventos de erupção militar, ao longo da República: 1922, 1930, 1935, 1954, 1961, 1964. E a tentativa frustrada em 2023. Houve, segundo José Murilo, um fracasso das elites em constituir uma cultura cívica e republicana. Segundo ele, “não se criou um imaginário de pertencimento que servisse de cimento cívico à nação. Se o Império havia sido bem-sucedido em erguer um Estado, a República falhara em tecer uma nação”.

A nação é um todo. Civil e militar. E, numa democracia, os civis decidem. E os militares obedecem. No momento de transição, em que vivemos, é preciso conhecer a história. Para não cometermos os mesmos erros do passado. E, errando, nos esquivarmos dos fatos. Assumindo a inaceitável impunidade.