Se assumirmos o atual momento político como de reconstrução nacional, uma polêmica eclodida no início do último mês chamou bastante a atenção: algumas declarações a respeito da articulação do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud). Em si, não há problema algum em tais estados da federação entenderem que possuem demandas comuns, que compartilham de estruturas econômicas semelhantes, e que podem se posicionar coletivamente quanto a questões de políticas públicas nacionais. Entretanto, alguns defensores deste sistema de cooperação deixaram escapar que podem estar partindo de anseios consideravelmente refratários, que apequenam suas respectivas unidades federativas, tanto sobre o papel que podem exercer para a integração nacional quanto em relação aos ganhos econômicos e estratégicos que poderiam angariar para seus governados.

Recentemente saiu da articulação do Cosud uma resistência contra a instituição de um fundo para Norte, Nordeste e Centro-Oeste, tal que os estados do “Consórcio” alegam injusto e ineficiente priorizar investimentos nestas regiões; também querem um fundo para chamar de seu. Se a obrigação de mitigar desigualdades regionais consta na Constituição Federal, um primeiro elemento a ser discutido aqui é como estas desigualdades foram construídas e porque é justo combatê-las. Se há dúvidas quanto à efetividade do uso dos recursos direcionados pela equalização fiscal (redistribuição dos recursos federais conforme as desigualdades regionais), um segundo ponto fundamental nesta discussão é questionar a eficiência destes governadores em buscarem as melhores oportunidades para seus estados fora de suas fronteiras. Afinal, não querem protagonismo nacional? Que sejam de fato eficientes nisso!

Em artigo publicado ano passado no periódico Economia & Sociedade, do Instituto de Economia da Unicamp, Francisco Lopreato expõe como a desigualdade na destinação dos recursos tributários durante a Primeira República concentrou investimentos públicos no Sudeste brasileiro, um dos motivos que acentuaram as diferenças regionais durante o Século XX. Segundo o autor, esta lógica só foi efetivamente revertida a partir de 1966, e entre este ano de 1974 a fatia dos impostos destinada ao Governo Federal passou de 40,6 para 51,6, fortalecendo sua capacidade de investir em regiões mais vulneráveis. A partir da Constituição de 1988, e sobretudo a partir de 1995, houve uma descentralização através de repasses para estados e municípios, e principalmente para estes últimos, acarretando problemas fiscais para governadores, o que os obrigou a enxugarem suas respectivas máquinas públicas.

Uma referência importante para ajudar a repensar o papel dos estados a partir da consolidação de uma política contínua de desenvolvimento regional foram os Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, fruto de estudo do Consórcio Brasilânia, contratado pelo BNDES e Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, muito influente da virada do século até 2007. Neles, as cinco regiões não se limitavam às fronteiras estaduais, dado o foco nos municípios com perfis socioeconômicos e geográficos semelhantes, e pensavam-se as diferenças ao longo do mapa brasileiro como diferentes funções em um todo integrador: era uma estratégia integrada de cooperação.

Pode-se dizer que a Política Nacional de Desenvolvimento Regional, gerada entre 2003 e 2006, decretada e depois escanteada, reformulou a descentralização, tendo como foco as microrregiões (atuais regiões imediatas), reconhecendo que as diferenças não são padronizadas de acordo com as macrorregiões (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul), direcionando também para as desigualdades intrarregionais. Para compreender-se o impacto destas transformações no planejamento das políticas de mitigação das desigualdades regionais ajuda muito resgatar um projeto paradigmático, que em muito orientou a constituição das superintendências de desenvolvimento do Nordeste e do Norte: a Tennessee Valley Authority – TVA.

Talvez a principal referência responsável pela notoriedade que este projeto do Governo Franklin Roosevelt para o desenvolvimento econômico do Vale do Tennesse seja o sociólogo estadunidense Philip Selznick, autor do clássico da administração pública TVA and the Grass Roots (1949). O autor salienta a importância da abordagem endógena de desenvolvimento, pensando a cooperação e consumo mútuo entre os integrantes de uma mesma região, com o estabelecimento de uma ferramenta burocrática de incentivos. Curiosamente, anos depois, o mesmo Selznick torna-se um dos principais teóricos do processo de desburocratização – convenhamos, em “TVA”, apesar da análise normativa, ele já atentava ao comportamento dos agentes em um sistema de interação, foi orientando de Robert K. Merton. Em suma, pode-se dizer que foi um paradigma importante para um tempo pré-globalização, em que projetos pontuais para regiões específicas era o desafio, diferente do que a globalização exige, um fortalecimento da capacidade de integração intranacional, ameaçada por incursões internacionais.

Colocados alguns aspectos históricos de nossas relações federativas e mudanças possíveis para o planejamento da mitigação das desigualdades regionais brasileiras e do desenvolvimento regional, sobram as perguntas: como isso pode orientar os governadores, sobretudo os que parecem imersos numa banheira de pensamentos refratários? De que papel os estados do Sul-Sudeste podem se apropriar neste contexto? Que eficiência podem mostrar para seus governados?

Basta retomar os Eixos de Desenvolvimento apresentados no final dos anos 1990. Assumir um protagonismo em nível nacional consiste em cumprir um papel na integração de todas as regiões. Mais que isso, a atuação destes estados só terá relevância nacional de forem importantes para todos os demais. Não é reivindicando verba para o próprio quintal que se torna “líder de bairro”. Procurar parcerias com os que serão contemplados pelo “fundo” pretendido na reforma tributária pode ser um caminho muito mais produtivo, sem contradizer o que está previsto constitucionalmente. Um jogo de ganha-ganha: economias emergentes recebem investimentos de outras, mais abastadas, que angariam seus justos retornos.

É esta eficiência que se espera do Sul-Sudeste, que participem da elaboração desta iniciativa de incentivos para regiões com potenciais incríveis; é muito mais inteligente pensar nos potenciais que nas vulnerabilidades. Considerando que predominam no Cosud agentes públicos que se dizem aderentes ao liberalismo, que lideranças liberais são estas que se preocupam menos em levar seus agentes privados a ganharem investindo em mercados emergentes, expandirem negócios, e mais em conseguir recursos para gastos públicos? Irônico, no mínimo!

Projetos já lançados por governos federais passados podem reanimar a recuperação nacional, a integração do território. De forma alguma está-se falando em desprestigiar esta ou aquela região, mas em um projeto nacional, estabelecer uma cooperação capaz de atender à mais ampla gama de interesses, justos e necessários. Integrações macrorreginais são salutares, ações articuladas dependem delas, só não podem correr atrás do próprio rabo, muito menos acender rivalidades que precisam ser neutralizadas. Há muito a se resgatar e aprimorar para o desenvolvimento do pais como um todo, e cooperar não consiste em abrir mão das próprias demandas, mas entender em que se pode ser útil para uma coletividade, caso  contrário esta mesma coletividade resiste em cooperar. Que se aprimorem os mecanismos que garantam a boa alocação dos recursos e incentivem parcerias entre as regiões, e não as isolem mais ainda e perpetuem nossas cisões.