“Desde então espero. Espero os navios do retorno, a casa das águas, o dia límpido”.

Albert Camus.

Fui dormir acompanhando a trégua. Acordei acompanhando a troca. Vi o sorriso substituindo a angústia. Vi a centelha da esperança. Acender o rosto da resignação. Senti a emoção do pai de Emily. Vivi a alegria contida da neta de Yaffa. Sou um grão de pó. Que aprende com a misericórdia.

Alcançamos o quarto dia sem hostilidades. O encontro de interesses é capaz de tudo. Inclusive mover as armações metálicas do mundo. E o consenso é feito de palavras. Sentenças de sins e de nãos. Que se prolongam em gestos. Somos identidades. Que podem virar fortalezas. Ou se abrir em avenidas. Por onde fraternalmente passamos todos.

Thomas Friedman, colunista do New York Times, é quem conta. Ele estava em Telavive. Recebeu telefonema de Avrum Burg, ex- presidente da Knesset (Parlamento israelense). Que desejava apresentar alguém ao jornalista do NYT: esse alguém era Talab el-Sana. Sana é um árabe israelense que atuou no Parlamento de Israel. Foi Sana quem deu o voto de minerva para formar maioria garantindo a Yitzhak Rabin a chance de firmar o Acordo de Oslo.

Sana queria levar Thomas Friedman para conhecer beduínos. Cidadãos israelenses de língua árabe, muçulmanos, fluentes em hebraico. Que tinham salvo judeus do ataque do Hamas em 7 de outubro. Os beduínos israelenses são comunidade nômade que reside no deserto de Negev. São parte da minoria árabe-israelense (21% da população do país).

Ao longo do tempo, vítimas judias e beduínas do Hamas foram tratadas juntas em hospitais israelenses. Metade dos médicos é árabe-israelense. Um árabe beduíno israelense pode salvar um judeu israelense de manhã, na fronteira de Gaza. À tarde, pode ser discriminado por judeus nas ruas de Bersheva. E, à noite, sua filha médica, graduada numa faculdade israelense, pode cuidar de pacientes judeus e árabes no Hospital de Hadassah.

Como se vê, as sementes de convivência estão plantadas. Podem ser regadas. Alimentadas. Fortalecidas. De modo a dar sombra aos que queiram conversar e construir em paz. Longe de inclemente sol bélico. Quem pode sabotar o diálogo sombreado dos homens de boa vontade?

1 Colonos judeus supremacistas, ávidos por expandir sua presença na Cisjordânia e em Gaza;

2 Binyamin Netanyahu, disposto a sacrificar o futuro de Israel e a paz no Jordão para continuar no cargo. E evitar processo e talvez cadeia;

3 Inconscientes uteis do Hamas, em movimentos ativistas, faculdades, sem rumo certo.

Este é um capítulo da história contemporânea. Contado por Thomas Friedman. Ele, jornalista judeu e cidadão norte-americano, está num restaurante de kebab, em Rahat. Com ele, estão um beduíno, ex-deputado da Knesset; e um neto do ex-rabino-chefe de Hebron. Uma mescla de idiomas, pensamentos, culturas. E um só destino: trabalhar pela institucionalização de dois Estados, Israel e Palestina. Cujos povos já se conhecem, convivem, trabalham. E são vizinhos.

Pois bem. A guerra do Yom Kippur produziu o tratado de Camp David. A primeira intifada e a reação israelense provocaram os Acordos de Oslo. O horror de 7 de outubro de 2023 vai propiciar a formalização dos dois Estados nacionais. Anunciados pela ONU em 1947. Um atraso de 76 anos.

O rio de minha aldeia é o Capibaribe. Eu o vejo toda vez que levanto da cadeira onde trabalho. Ele une as várias partes desta Florença tropical. Como Camus denominou o Recife, quando aqui esteve. Logo mais, o rio Jordão será o rio da integração das árvores árabes.