Não há cura? Para a ditadura de Maduro ainda não. Em 2013, Maduro foi eleito com ajuda da fantasia de que Hugo Chavez o apoiara pelo chilreado de “un pajarito chiquitito”. Agora o ditador pretende ganhar eleições com a ajuda de outra fantasia, um projeto para tomar terra e petróleo do vizinho a leste, a pequena Guiana.
Falta ao ditador venezuelano algum senso de realidade ao fomentar guerra numa zona em que hoje há paz, duramente forjada na convivência entre muitas culturas do Caribe. É preciso mostrar-lhe o mais rapidamente possível que isso é fantasia eleitoreira, que só o estado soberano da República Cooperativa da Guiana tem o direito de aprovar concessões de exploração de petróleo na região de Essequibo e que assim é legítima e legal a concessão de exploração dada pela Guiana à Exxon Mobil há oito anos, desde 2015. Além de que é preciso advertir contra o risco que é aceitar cidadania oferecida por um país que tem 7 milhões de refugiados e de onde continuam escapando cidadãos quando conseguem que alguém lhes envie o dinheiro da passagem ou arriscando a vida na mata panamenha para chegar ao México por terra. Ainda em 2022, ACNUR, a assoberbada agência da ONU para refugiados, recebeu 264 mil pedidos de asilo de venezuelanos.
Não funcionaram as sanções lideradas pelos Estados Unidos. Tampouco adiantaram para moderá-lo os abraços e gentilezas do Presidente Lula ao ditador, nem a recente normalização de relações diplomáticas com os países vizinhos. Pouco o afetaram os vários relatórios da ONU sobre violações de direitos humanos e prisioneiros políticos na Venezuela. Fracassou a bizarra tentativa de invasão tipo “Baía dos Porquinhos” por mercenários em 2020, que teria sido apoiada por Juan Guaidó de triste memória. Maduro continuava firme no poder. E se sentia tão firme no poder que no início do ano havia dado sinais de sua disposição de se submeter a eleições, devidas em 2024, ao fim do seu segundo mandato. A oposição andava meio desacreditada por prometer tantas vezes que Nicolás Maduro estava por cair em 24 horas. Mas as prévias realizadas pela oposição no mês passado e a vitória expressiva de Maria Corina Machado trouxeram nova evidência da insatisfação popular.
Recentemente a situação econômica dava sinais de estar até melhorando na Venezuela. E estavam em andamento negociações entre governo e oposição para viabilizar eleições ano que vem. A economia da Venezuela parou de afundar em 2020. Depois de queda de uns 50% do PIB desde 2013, vem se recuperando, cresceu 8% em 2022 (segundo o FMI) e está no rumo para crescer 5% este ano. As sanções foram abrandadas (e aqui é bom lembrar que Maduro sempre usou a retórica de que “eleições livres são eleições sem sanções”). Foram suspensas as restrições às importações de petróleo venezuelano nos Estados Unidos, culminando conversas que se tornaram evidentes desde que a guerra da Ucrânia levou à redução do fornecimento internacional do petróleo russo. Em fins do ano passado, o Tesouro americano autorizou a Chevron a operar na Venezuela. Segundo o “The Economist” (09/11/2023) a Venezuela voltou a atrair petroleiras.
Uma dolarização informal desde 2018, viabilizada pelas remessas da diáspora venezuelana, gradualmente passou a ser tolerada pelo governo e até usada pela “nomenklatura venezuelana”, pelos escalões mais altos de governo com acesso a dólares, o que reduziu a hiperinflação estratosférica para níveis em torno de 200% ou 300%. E também agravou brutalmente as desigualdades de riqueza e acesso a bens em meio à esquecida retórica igualitária do socialismo revolucionário chavista.
Apesar da popularidade baixa, que institutos de pesquisa de boa reputação davam como 20%, Nicolás Maduro este ano deu partida oficial à sua campanha eleitoral. ”Vamos a la vanguardia comunicacional y tecnologica”, gabou-se o ditador quando anunciou em abril seu programa de TV de segunda-feira à tarde, acompanhado de “Sira”, uma assistente criada, conforme anunciado, por inteligência artificial. Pelo visto Sira não está ajudando, e quando o ditador deu-se conta de que sua popularidade não aumentava, de novo pôs tudo a perder. Já não pode dar se ao luxo de deixar o poder. Quem quer ser preso?
Perdeu credibilidade a alegação de que a pobreza e a miséria na Venezuela decorrem simplesmente das sanções dos americanos e europeus, e assim o ditador Maduro decidiu recorrer à tirada “imperialista”. Nem sei se são necessárias, no caso, as aspas. Pois a pretensão de tomar e anexar à República Bolivariana da Venezuela nada menos que 74% do território da pequenina Guiana, sede da Comunidade do Caribe, a essa altura da partitura, parece o velho “imperialismo”. Ainda mais com o objetivo declarado de por a PDVSA-Petroleos de Venezuela SA a explorar petróleo no território que quer anexar.
Após o referendo de 3 de dezembro, autorizou a PDVSA a emitir licença de exploração de petróleo na região esparsamente habitada de Essequibo e declarou na TV que irá banir todas as empresas petrolíferas que obtiveram licença de exploração do governo da Guiana: não só a Exxon Mobil, que descobriu imensas jazidas recuperáveis, mas seis outras petroleiras que obtiveram da Guiana concessões de operação off shore agora em outubro. Deu-lhes três meses de prazo para deixar Essequibo. Tudo isso supostamente com mandato dado pelo referendo.
Informa-se que Nicolás Maduro e o chavismo estão “usando a história” para reivindicar Essequibo. Sim, uma longa história. E a manipulação agressiva de um nacionalismo longamente nutrido desde Bolivar e exacerbado e amesquinhado com Hugo Chavez. Ariel Palacios, competente comentarista da América Latina e nosso “argentinista”, outro dia comentou na CBN a pretendida anexação e criação de uma província venezuelana de Guiana-Essequiba, em tom de blague: “tudo começou com o imperialismo espanhol, quem ocupou o território foi o imperialismo holandês, que acabou expulso pelo imperialismo britânico”. É República Cooperativa da Guiana, independente desde 23 de fevereiro de 1970.
Vale a ironia dos tantos imperialismos, a recordar que é como herdeiros do imperialismo espanhol que os venezuelanos, logo agora, tiveram o seu rompante “imperialista”. Por que logo agora? Pois os venezuelanos, desde a sua independência em 1824, consideram-se herdeiros dos espanhóis, e reivindicam o território a oeste do rio Essequibo como herdeiros, ainda que os espanhóis jamais tenham colonizado de fato esse pedacinho da América do Sul.
Parece que já Bolivar teria escrito aos ingleses sobre o assunto. Pois vi agora na web, por mais inacreditável que pareça, uns autodenominados “marxistas” e defensores de um 24º estado da Venezuela, Essequibo, explicando por que Maduro escolheu este momento para enfrentar o “imperialismo americano” e a Exxon Mobil: teria percebido que o imperialismo está fraco, que Ucrânia e Israel vão perder a guerra. Dizem os tais revolucionários digitais que Maduro não vai agir agora, mas está preparando o terreno. Essa a visão tragicômica a explicar dois séculos de adiamento de uma ameaça. Nessa interpretação (e sei lá o que entendem por “marxismo”), eleições não estariam no radar do socialista revolucionário. Detratores de Maduro é que estariam inventando que ele resolveu ameaçar a Guiana para mobilizar seu apoio eleitoral.
Alguns analistas interpretaram que Maduro está tendo seu “momento Galtieri”. Não está claro até onde levam a comparação. O General Leopoldo Galtieri, ditador argentino, com a economia numa de suas piores crises, e para recuperar prestígio, ordenou a invasão militar às Ilhas Malvinas em abril de 1982. Com a derrota militar, renunciou, e um ano depois voltou a democracia à Argentina. Mais tarde Galtieri foi preso por má conduta militar. Comparando a sequência de eventos, fora que o Rei Charles ainda não disse nada em favor da antiga colônia britânica mais caribenha que latino americana, Maduro não ordenou uma invasão. Ainda não.
E assim o Brasil faz bem em tratar de dissuadi-lo, não só com o Presidente Lula defendendo negociação e apelando para o respeito às decisões internacionais e ao último pedido da Corte Internacional de Justiça, mas também com o envio preventivo de algumas dezenas de veículos blindados para a fronteira norte e o aumento dos efetivos da 1ª Brigada de Infantaria da Selva. Deveria se apressar, que o Brasil é grande e sei lá quantas semanas levam os blindados para chegar a Roraima, e na fronteira norte temos mais um ditador imprevisível. É matreiro, por ora está pretendendo ter um mandato da população venezuelana com o referendo de 3 de dezembro, com o foco nos que responderam “sim” às suas perguntas e ofuscando o fato de que foi baixa a participação na votação. De qualquer modo o reforço das fronteiras do Brasil para combater atividades ilegais já estava planejado.
A questão de uma possível invasão da Guiana por parte do governo de Nicolás Maduro, levanta sérias preocupações do ponto de vista do direito internacional e das relações de soberania entre as nações. Abaixo, alguns tópicos sobre essa insanidade do Tirano:
1. Violação da soberania da Guiana: A soberania é um princípio fundamental do direito internacional que garante que cada nação tenha o direito de determinar seus próprios assuntos internos e externos sem interferência externa. Qualquer tentativa de invasão da Guiana pela Venezuela seria uma clara violação desse princípio, minando a integridade territorial e a autonomia da Guiana.
2. Decisões legais anteriores: O litígio territorial entre a Venezuela e a Guiana já foi objeto de decisões legais, incluindo um julgamento da Corte Internacional de Justiça (CIJ) em 2020. A CIJ concluiu que tinha jurisdição para julgar a disputa e que o Laudo Arbitral de 1899, que definiu a fronteira entre os dois países, era válido. Qualquer tentativa de invadir a Guiana após essa decisão constituiria um desrespeito ao sistema internacional de resolução de disputas.
3. Potencial para conflito armado: Qualquer ação militar da Venezuela para invadir a Guiana poderia desencadear um conflito armado na região, com consequências humanitárias e políticas graves. O direito internacional visa a prevenção de conflitos armados, e a invasão proposta por Maduro contraria esse objetivo.
4. Isolamento diplomático: Uma invasão da Guiana seria amplamente condenada pela comunidade internacional e provavelmente resultaria em sanções e isolamento diplomático para a Venezuela. Isso teria sérias repercussões econômicas e políticas para o país e seu povo.
5. Alternativas pacíficas: O direito internacional incentiva a resolução pacífica de disputas entre nações. A Venezuela e a Guiana têm mecanismos disponíveis para buscar uma solução negociada para suas diferenças, como a mediação internacional ou o diálogo diplomático. A invasão militar não é uma solução justa nem adequada.
Em resumo, a decisão de Nicolás Maduro de querer invadir a Guiana representa uma séria ameaça ao direito internacional e às relações de soberania entre as nações. Ela mina os princípios de resolução pacífica de disputas, coloca em risco a estabilidade regional e desafia as decisões legais anteriores. É fundamental que a comunidade internacional se una para condenar essa ameaça à paz e à estabilidade na América do Sul.
Sim, achega importante. Há uma longa e complicada disputa jurídica que não considerei. Por enquanto a situação de fato estava congelada nos termos do Laudo de Paris de 1899, que referendou as fronteiras do que era Guiana Britânica. A Venezuela não aceita esse Laudo de Paris.