As prévias já começaram. Os blocos nas ruas, o afinar das orquestras, os clarins tocando. É época de Carnaval. Famílias e amigos se coordenando para os festejos.

Carnaval é festa popular. Maior de todas. Somos foliões. Começamos nas prévias e vamos até onde o corpo aguentar. Bom mesmo é a preparação, o se organizar. Tudo tem que fazer jus a festa tão grandiosa.

Caruru de Rogério. Receita de saudosa Luíza, com o quiabo desmanchado e o camarão fresquinho. O tradicional grito que avisa a chegada. Flávia organiza com esmero e atenção. Orquestra presente. Nosso primeiro encontro do ano. Alegria geral.

Sábado pré terá o Sítio da Trindade. Encontro das Academias da Cidade. Frevioca presente. Velhinhos animados, fantasias originais. A manhã será nossa.  O suor no desfilar por Casa Amarela, a parada em Artur para mais uma cerveja.

À tarde tem “Pisando na Jaca”. Companheiras da antiga, da Fundação Joaquim Nabuco, organizam. Silvinha e Rita comandam. Melhor orquestra não há. Traz consigo toda a magia dos velhos foliões que se fantasiam e desfilam a passos lentos.

Quinta feira é a abertura oficial. Começa o carnaval. No Marco Zero, com grandes shows e artistas de renome, como Gil. Mas não é esse nosso programa.

Escuta “Levino sai”. Arrasta multidões. Tem que ter preparo para acompanhar o desfile, que começa na Praça Maciel Pinheiro e percorre o Centro decadente. Preparo e atenção, pois a aglomeração é campo para pequenos furtos. Músicas tradicionais e o frevo de rua atraem, fazendo com que passistas demonstrem toda sua maestria e originalidade de passos e coreografias.

Na sexta o “Lilly”. Bloco do coração, do qual participamos desde sua inauguração. Gerusa já me avisou. “Vou mandar fazer a sua fantasia e a de Poli”. Este ano é em homenagem aos velhos passistas. Com boina de época e tudo. As “meninas” do coral ensaiadíssimas. Sairemos da Rua da Moeda para a Praça do Arsenal. Gerson nos comandará, com a ajuda do grande Lucas, que começa a assumir as funções.

Lançamento de um livro. Poemas é o gênero literário. Um sarau animado. Encontro de amigos. Também ocorrem conversas para a preparação para o grande sábado, apoteose da nossa festa.

Três em um canto. Cada um querendo mais se “amostrar”. Dizendo o que já fez, o que fará. Vinte dias passam rápido, tudo tem que estar bem pensado e no padrão que sempre se tem. Os críticos são muito exigentes e não perdoam. Sábado é o dia.

Pedrinho começa a conversa. Já fez o design da fantasia. O “Pinto da Madrugada” vai sair lindíssimo. Suzana e ele ensaiaram os passos e se enfeitarão para ficar sob o brega guarda-chuva preto que nunca renovam. O poema a declamar já foi escolhido. A sopa “cabeça de galo” será servida antes das sete da manhã, e desfilaremos pelo Bairro do Recife até encontrar o Galo. Acho que aguentamos até o meio dia. Haja fôlego sob o sol abrasador.

Ver a saída do Galo, uma tradição. Desde 1980, quando trabalhava no Forte 5 Pontas, me preparo para apreciar as fantasias. Eram mais originais e criativas, mas continuam intrigantes, e algumas chamam muito a atenção. Vale até aguentar o barulho ensurdecedor dos mais de trinta trios elétricos. O som em decibéis insuportáveis.

 Marcelo também avisa. Teremos moela no café da manhã. Começa às seis horas. Frutas, bolos e sucos à vontade e um pãozinho para chuchar no molho não faltarão. “Temos que estar fortinhos para a maratona”. Cerveja bem gelada para quando o bloco passar e uma cachacinha para esquentar… um pouco mais. É para selecionados que madrugam e fazem a festa acontecer. Perder é um crime contra a própria pessoa.

Abraham chama a atenção. Teremos o “Chegou o Carnaval”. A feijoada está se estruturando. Acontece faz mais de trinta anos. Deo, nossa querida cozinheira, vem do Rio e já nos orientou. Fará em duas modalidades, a profana e a vegana. 

Na profana tem de tudo que o porco nos oferece e nós agradecemos. Na vegana, essa nova moda, os legumes orgânicos e o parmesão para dar gosto. Imperdíveis. Cantaremos e aguardaremos que os músicos apareçam. Bebida não vai faltar, alegria vai contagiar. Fred trará a sua tradicional jaca de doçura vinda do mel do paraíso de Aldeia. O coro se organiza, a sala virará passarela exibicionista.

O estandarte já foi retirado do armário. Como sempre belo. Concebido em seus detalhes por Jaqueline. Já há candidatos para carregá-lo, inclusive o fantástico Leon. Mas a disputa é grande e acirrada. 

Desfilaremos por toda a Av. Lourdinha Bittencourt, mais de 50 metros de subida íngreme. Ida e volta. Estou fazendo preparação física para me condicionar. Os jovens é que comandam e não quero fazer feio. Eles são os donos da brincadeira. Voltaremos para a cerveja que sempre nos espera.

No início da noite, caindo pelas tabelas, encerramos dia por demais produtivo. Sempre lembrando que o ano que vem o sábado voltará, não adianta desesperar.

A festa continua. Um domingo de encontro dos compositores de bloco e uma ida a Olinda, no “Enquanto isso na Sala da Justiça”. Uma segunda de “No Meio do Carnaval”, uma terça dos encontros dos blocos líricos. Nada programável a priori. As opções são tantas que tem de ser escolhidas na hora. Deixemos rolar.

Minha companheira adora ir ao Centro e ao Bairro do Recife para fotografar as personagens. Sem compromisso, no fim de tarde até o anoitecer. Sempre encontramos uma orquestra feminina e reverenciamos a maestrina. Programa que tem que ser incluído na programação.

A ansiedade da espera vai se manifestando. A cabeça não desvia do tema. O resto vira secundário. As agruras do cotidiano, da sociedade desigual, são, momentaneamente, esquecidas. 

Carnaval, cultura que nos engrandece, que nos faz sentir mais gente, ter maior pertencimento a uma região e suas tradições, sem a ironia dos descrentes que ainda satirizam com a expressão romana de “pão e circo”. Não sabem o que é bom.