Praticantes da arte popular com a qual ganham a vida, mas que nunca os fará ricos, ou aceitos na alta sociedade, ou respeitados nos melhores círculos, os vigaristas de rua estão sendo vítimas de uma conspiração do silêncio. Já ninguém fala neles. Por que? Morreram? Somos todos honestos, hoje em dia? Há nas cidades menos otários do que havia antes? Duvido. 

Para mim, o que houve foi uma gradual perda da admiração que tínhamos pelos pequenos transgressores – o vigarista, o batedor de carteiras, o punguista, o ladrão de galinhas –, ao mesmo tempo em que desenvolvíamos deslumbramento com os grandes ladrões: os que assaltam bancos tomando empréstimos que nunca irão pagar, dão golpes milionários, se aproveitam de leis convenientes para se locupletarem, ou recebem de uma só vez tanto dinheiro por transacionar obras públicas que nem trabalhando honestamente uma vida inteira poderiam os bandidos menores jamais ganhar.

Pois a verdade é que, por mais que furtem ou enganem, os pequenos ladrões, especializados em atividades que causam pouco dano social, nunca deixam de ser pobres. Nascem pobres, vivem pobres, morrem pobres. Com os grandes ladrões, a história é outra. Eles sempre são, no início da carreira, ricos ou remediados e, com o tempo, se tornam ainda mais ricos ou mais remediados. Têm casas em Miami, míqueis mauses como mordomos, iates de luxo que já saem da fábrica com seis mulheres bonitas e louras a bordo, empresas de lavar dinheiro em paraísos fiscais. Vejam que charme!

Esses, sim, são merecedores de admiração. Fazem sucesso. Põem botox. Aparecem na TV. Têm milhares de seguidores nas redes sociais. Contam com deputados que os acobertam, advogados caríssimos que os defendem, juízes flexíveis que os absolvem. Se necessário, até com ministros do Supremo Tribunal Federal que os soltam da raríssima cadeia e lhes anulam os processos antes reconhecidos como legítimos.

O crime deles compensa, enquanto o dos vigaristas de rua é punido com pouco retorno financeiro e passagens intermináveis por delegacias de polícia e casas de detenção. Por isso, trocamos de heróis; agora nos emocionam os homens e mulheres que fazem fortunas com grandes negócios escusos, são enaltecidos pela opinião pública e respaldados pelos tribunais.

Porque admiramos os grandes ladrões, os elegemos deputados, senadores, governadores e presidentes; porque admiramos os grandes ladrões, aceitamos que juízes ganhem mais do que recebem juntos três médicos ou cinco engenheiros trabalhando para o mesmo estado que emprega os uns e os outros; porque admiramos os grandes ladrões, queremos ver suas histórias (e não as dos pequenos contraventores) contadas no Instagram, no WhatsApp, no Facebook, no universo, no metaverso …

Porque admiramos os grandes ladrões, deixamos de dar valor ao artista cênico que, usando apenas sua capacidade de contar histórias, consegue trocar com o idiota da vez um monte de papeis sem valor pelos escassos reais que, para suas vítimas, eram tudo o que elas tinham. E assim os vigaristas foram saindo do noticiário. Não que tenham desaparecido, longe disso. Apenas, se tornaram invisíveis, já não despertam atenção.

É um mundo sem poesia, este nosso.