An Elderly Man Composing a Letter  by cottonbro studio

An Elderly Man Composing a Letter by cottonbro studio

Um pensador já observou como seria bom se, ao comprarmos um livro, também comprássemos o tempo de sua leitura. A tirada é boa, a realidade é que é dura e ruim. Depois que passamos o meio do caminho de nossa vida, damo-nos conta da inescapável escassez do tempo.

O escritor Marques Rebelo, de resto tão fecundo e diverso, teria dito que “Escrever é cortar”, praticamente o mesmo conselho de vários manuais de estilo. Um dos mais famosos desses manuais, “The elementos of style”, de Strunk e White, sentencia que “Uma escrita vigorosa é concisa”. Há editores que salvam autores por recomendarem cortes e cortes, muitos deles realmente maciços. É o caso emblemático do americano Max Perkins, que publicou escritores como Hemingway e Tom Wolfe. Para os autores, cortar na própria carne sempre é difícil. Seduzidos pelas sereias do amor-próprio, não têm coragem e ficam lambendo a cria com uma volúpia sagrada.

Por falar em “sagrada”, abro um parêntese para mencionar um pitoresco episódio da vida de Schopenhauer. O filósofo, conta um de seus biógrafos, protagonizou uma cena em que, numa discussão com seu editor, saiu-se com esta pérola de amor-próprio: “Minha obra é sagrada!”. O editor não se deu por achado e respondeu na lata: “Uma prova disso é que ninguém a toca!”. O grande alemão também escreveu (cito de memória) que em todas as épocas convivem duas literaturas: a boa e a ruim, devendo-se evitar esta para se ter tempo de ler aquela. 

A concisão é benéfica: tem o condão de valorizar o tempo e o que de fato é essencial. Dir-se-ia que vem com a maturidade, mas muitas vezes jamais chega. A obesidade literária sempre foi mais opulenta que a outra e reflete esnobismo e vaidade, quando não uma robusta ingenuidade. A menos que o sujeito seja um novo Proust, é preciso que ele saiba se conter. O risco é não entendermos logo o espírito da coisa e ignorar que a “gordura”, como o colesterol, tenha uma face boa. Proust sofreu na pele (se é que ainda não sofre) uma incompreensão terrível. Um dos editores que apreciaram, em primeira mão, o primeiro volume de “Em busca do tempo perdido” teria comentado, com evidente ironia, que ele, editor, deveria ser (cito de memória) muito burro por não entender as “prolixas” páginas iniciais de “Swann”, em que “um cara se vira e revira na cama sem conseguir dormir”…

Proust tinha em Joubert (1754–1824) um de seus autores mais queridos, inclusive o homenageia numa passagem de “Em busca do tempo perdido”. Menciono Joubert porque este sóbrio moralista francês estava, neste assunto, nos antípodas de Proust. É dele estas palavras que bem poderiam servir de inspiração e alerta aos mais eloquentes, repetitivos e detalhistas: “Se há um homem atormentado pela maldita ambição de pôr todo um livro numa página, toda uma página numa frase, e esta frase numa palavra, este homem sou eu”. 

A ideia de concisão parece ser tão antiga quanto a própria escrita. Da antiga Roma, herdamos a expressão latina “Inutilia truncat” (“Corta o inútil”). O problema, não fácil de resolver, é identificar com clareza o que é de fato inútil. Saber o que cortar não é jamais algo simples e ligeiro, e, nesse passo, como em tantos outros, a solidão é má conselheira. O próprio autor (e não digo qualquer novidade) é um eterno suspeito. Como quer que seja, a concisão, quando apropriada, contribui imensamente para a clareza do texto.

É aconselhável escrevermos com uma tesoura na mão. Não por acaso, há uma tesourinha pousada em nossa barra de ferramentas no editor de texto. A tesoura, como a tecla “Delete”, precisa estar afiada e ser tocada com frequência. A propósito, para Umberto Eco, o livro é como a tesoura, o martelo, a colher e a roda, que não podem ser aprimorados. Mas um texto, sim, pode, e sempre. Passemos a tesoura! Enfim, por metonímia e humildade, lembremos os versos de Augusto dos Anjos: “Tome, doutor, esta tesoura e… corte / minha singularíssima pessoa!”.