A velhice nos apresenta um paradoxo instigante: à medida que se envelhece, mais os velhos precisam dos outros e, por sua vez, menos os outros precisam dos velhos.  Tzvetan Todorov, o grande pensador franco-búlgaro, foi ao ponto: “O drama da velhice não é precisar dos outros, mas reconhecer que os outros não precisam mais de você”, como está em seu belo e perspicaz ensaio “A vida em comum: ensaio de antropologia geral”. Todorov naturalmente, não esquece a necessidade que os velhos vão tendo, para suportar a vida, de contar com o apoio das outras pessoas: filhos, cuidadores, médicos, enfim quem quer que contribua para lhes mitigar as injúrias da idade, as carências vitais da última fase da existência. Sim, tudo isso é pesado e forte, mas há, como nota Todorov, uma fatal solidão que é criada a partir da inutilidade do velho. Não se precisa mais das pessoas idosas, e, por isso mesmo, elas são como que levadas a permanecer à margem. Donde se segue que o idoso se fazer útil é uma forma de minimizar o problema.

De fato, as demais pessoas não precisarem dos velhos é um atestado brutal e invisibilizado de que a vida social os descarta. Como o processo não se dá do dia pra noite, é de notar que só pouco a pouco o círculo se fecha, tornando os idosos verdadeiras ilhas formadas de solidão e abandono. A vida social, a vida em comum, vai paulatinamente esvaziando de alma o próprio velho. Como liricamente escreveu Jorge Luis Borges, “A velhice poderia ser a suprema solidão, não fosse a morte uma solidão muito maior”. Morre-se, na prática, antes da própria morte biológica. Não é que haja uma maldade deliberada da sociedade, não se trata disso. Mas nem por tal motivo se pode deixar de ver aí um drama existencial a ser, pelo menos, minimizado. 

Todorov diz muito bem: “A velhice é não somente uma diminuição das forças vitais, mas também da existência. Sua causa primeira é o aumento da solidão”. E continua o autor a ver a questão “social” da última fase existencial: “O ser social do idoso é progressivamente desconectado das diferentes redes das quais ele participava; o tédio torna-se a experiência principal da sua vida”. Uma vez fora das redes de relacionamento, o idoso se empareda no tédio: há uma corrosão espiritual. 

O poeta Mario Quintana, num de seus momentos de sabedoria, criou este peculiar “aviso”, como costumo dizer, para se saber velho: “Há dois sinais de envelhecimento. O primeiro é desprezar os jovens. O outro é quando a gente começa a adulá-los”. Se a virtude, como se diz, está no meio, então é aconselhável não cair nos extremos da adulação ou do desprezo. Convenha-se que o mero deslumbramento do velho ao que é novo pode torná-lo uma pessoa caricata e descentrada. Da mesma forma, ao celebrar ou viver o desprezo do novo, terá um acréscimo de solidão. O idoso precisa cultivar a tolerância, sim, mas uma tolerância, por assim dizer, ativa e crítica. Sua adaptação à nova condição existencial precisa, salvo engano, ser menos emocional, justamente quando tudo concorre para sê-lo. Claro, na prática, nada disso é fácil, mas a última etapa da vida, se mais consciente e saudável, requer uma espécie de “redução de danos”.  De resto, não custa lembrar: não é apenas o idoso que mudou, chegando à velhice, é o próprio mundo que mudou à sua volta e para o qual frequentemente lhe falta paciência e compreensão.

Li certa feita que Leon Trótski (1879–1940), que, aliás, não viveu a velhice, pois Stalin, como se sabe, mandou matá-lo quando mal entrava nela, escreveu que “A velhice é o acontecimento mais inesperado dos homens”. Eu diria como a personagem machadiana que amava os superlativos: “Inesperadíssimo”! Nunca, realmente, acreditamos nela, apesar de todos os velhos com quem convivemos ao longo da vida. É, com efeito, uma abstração. É preciso sentir seus primeiros coices  para se fazer uma ideia do que se tem pela frente. O animal é forte e selvagem e, no limite de nossas forças vitais, faz com que se deseje a morte como um alívio. É o tal “descanso eterno”, ao qual, de sã consciência, ninguém quer chegar, porque — ora por quê! — “porque a vida é boa”, como teria gemido, em seu leito de morte, o cético, genial e nunca assaz louvado Machado de Assis.