Azulejos

Azulejos

 

“Harmonizar projeto, história e crescimento envolve conciliação entre opostos, numa soma não excludente, entre passado e futuro, artesanato e indústria”.

João de Souza Leite, em Aloísio Magalhães, bens culturais do Brasil (Bazar do tempo, Rio de Janeiro, 2017).

 

Qual é o rosto urbano do Recife, hoje?

O que identifica o Recife em termos de cidade: conforto, estresse ou esperança?

Qual é a característica dominante do histórico urbano do Recife: a memória, o esquecimento ou a descontinuidade?

A cidade é feita de azulejos. Entre alternativas de formato, conteúdo e cores, escolhi dois azulejos: um, o padre francês, dominicano, Lebret (1897-1966). Outro, Aloísio Magalhães (1927-1982), arquiteto, designer e secretário nacional da Cultura. O curto prazo e a história. O planejamento e a memória. O construir e o proteger.

Lebret foi um visionário. Esteve em Pernambuco em 1955. Deixou um livro sobre as economias de Pernambuco e do Nordeste. Sua visão do desenvolvimento era abrangente. E humanista. Acentuava três pontos principais: começava pela necessidade de planejar. Sobre o Recife, ele escreveu então: a cidade cresce 18 mil habitantes por ano. Precisa ser detido. Terá rapidamente 1 milhão de habitantes.

No segundo ponto, defendia uma política de zoneamento no perímetro de aglomeração. Impedindo que a cidade cresça além dele. O que, em parte, foi feito. Permitir que a superfície construída do Recife seja duplicada para absorver milhão de pessoas será erro irreparável. Erro certificado no simples olhar.

Terceiro ponto, o Recife tem bairros populares concentrados nos morros de Casa Amarela, a Noroeste da cidade. Lebret enxergou, ali, espaço magnífico para fazer cidade popular modelo. Mas é preciso dar tratamento apropriado. Estes aspectos, e muito mais, estão em Diálogos com Lebret – 60 anos depois, organizado por Francisco Jatobá de Andrade e Tarcísio Patrício de Araújo (Cepe, Recife, 2016).

No momento que se desenrola a campanha eleitoral para o Recife, é essencial discutir o planejamento da Cidade. Seu futuro antecipado. Sua paisagem líquida. Para onde caminha o Recife? O barroco sagrado será preservado? O moderno, feito de vidro e aço, é um destino? Como conciliar memória e avanço?

Como garantir o azul superior com menos carbono e os verdes intermediários de árvores, praças e parques?

Por sua vez, para Aloísio Magalhães, a ideia seminal da política de bens culturais começou com Gustavo Capanema, ministro da Educação, em 1932. Inspirado no propósito de Mario de Andrade. O intelectual mais preparado para auxiliar na tarefa. Compreendendo o fato dos bens culturais na tridimensão de preservar, proteger e dinamizar.

Esta postura sugere dois olhares: primeiro, o Brasil se voltar para dentro de si mesmo. Para suas belezas naturais, suas potencialidades produtivas e seus talentos humanísticos. Na tri-raça. Em segundo lugar, acolher bens culturais na sua materialidade e sua imaterialidade. O bolo de rolo, o Carnaval, o terreiro de umbanda. Ou seja, o que o espírito do homem brasileiro, como integralidade cultural, sente, exprime e alcança.

Nesse contexto, o patrimônio cultural, edificado nas ruas e sobrados históricos, conta as pegadas da cidade. É sua identidade, construída e vivida. É um bem da cultura local. Um rosto. Engajado. Cujo valor social existe por si próprio. E pela pedagogia dos modos de ver e viver. Mas não só para preservar. Para se inserir nos fazeres da população.

É antigo forte com função econômica. É bairro primaz, que foi berço, com papel turístico. É atualização produtiva valorizando os caminhos percorridos pelo homem.

Como disse Aloísio, no seu discurso de posse, lembrando Camões:

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança;

Todo o mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades”.