Modernidade e Narrativa

Modernidade e Narrativa

Narrações podem transformar o mundo. São processos que envolvem diversas forças. E vários atores. E carregam, quando verdadeiras, verdade intrínseca. Narrativas falsas, constituem outra coisa. São camaleões, intercambiáveis.

Na modernidade, ocorre a ultrapassagem de fronteiras. Éticas e tecnológicas. E os contornos de narrativa avançam. E recuam. Conforme as conveniências políticas. Populistas. São ofertas ao público. Carente de emprego e serviços sociais. Ávido de esperança. Envelopada em rala demagogia. Narrativa.

A esperança junta. A falsa narrativa dispersa. A esperança é política. Porque é fruto de discurso. A narrativa é comércio. Porque decorre do desespero de cada um. Eleitores são coletivos em Partidos e movimentos. Os consumidores de falsas narrativas ficam na solidão da mentira. A falsa narrativa traz efeito perverso: não é cimento, não sustenta, não produz coesão social. Não cria vínculo entre as pessoas. Não tece obra política.

Há uma crise no discurso político da modernidade. Porque há muita informação e pouco conceito, pouca consistência. Há muita internet e pouca reflexão. Há pouco propósito e muito interesse. Há muito ódio e pouca educação.

A sociedade da informação gera alta tensão social. Porque fornece um tsunami permanente de notas, notícias, comentários. Sem reflexão, sem amadurecimento, sem análise. Na fórmula 1 do cotidiano, só sabemos correr. E a comunicação, essa qualidade única só existente entre humanos, empobrece. A comunicação, agora, é um like. Embriaguez do nada. Algorítmica.

Como avaliar a narrativa carregada de verdade intrínseca? Com a experiência, a história, o fio da continuidade social. O esquecimento é o pior dos males políticos. Porque ele abriga a mentira. A falsa narrativa. A pós-verdade. O critério que distingue a verdade é o testemunho dos fatos. Inscritos na história. Lembrai-vos do ontem. Antes de, sofregamente, buscar o autoengano do amanhã.

A modernidade é ameaçada pela desintegração do tempo. Como se houvesse uma atrofia temporal. Como o ano está passando depressa! … E a enxurrada de emails, zaps, informações, desaba sobre nossas mentes. A existência torna-se instantes, momentos. Vida que se fragmenta. Um lapso.

O filósofo alemão Heidegger, no século passado, em Ser e Tempo, abordava o tema. Dizia ele que havia uma crise temporal da modernidade. Formando a patologia do homem moderno. Diluindo a historicidade das pessoas. Afetando o que é próprio de si mesmo. Narrar deixou de ser contar a história. Passou a ser o clique da falsa informação.

Um dos pilares da modernidade, no século 19, foi o humanismo. A relevância do humano. A liberdade na fraternidade francesa. A capacidade de fazer crítica social em Frankfurt. Os direitos humanos. O respeito às minorias. A aura que inaugurou o século 20. Um certo encantamento do mundo.

Esse encantamento do mundo foi aprofundado na sensibilidade poética de Baudelaire, na força criativa de Picasso, na harmonia de Rachmaninoff. Porque a vida, para ser tal, precisa de beleza. Graça. Delicadeza. Transcendendo o nexo causal da precisão científica. Esta é uma conquista que a humanidade está perdendo. O senso da beleza.

A ciência política faz-se poesia na lucidez de Hannah Arendt. Diz ela: “Falar e atuar, atuar e falar estão interrelacionados. É a concepção grega da política. Atividades que se inscrevem na narrativa histórica. E, embora pareçam contingentes em eventos singulares, são definitivos na coerência da experiência, da história”.

Verdade intrínseca. Feita de fatos. Estabelecidos na memória. Registrados na experiência. Manuseados nos livros. E zelados nas instituições.