Vela

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O apagão em São Paulo calhou de acontecer a duas semanas do segundo turno das eleições para a Prefeitura Municipal, com um prefeito, Ricardo Nunes (MDB), buscando a reeleição e o seu concorrente, Guilherme Boulus (PSOL), apoiado pelo Presidente da República. Combinação política perfeita para gerar uma disputa de responsabilidades e culpas diante do absurdo de vários dias com centenas de milhares de domicílios sem energia elétrica. O candidato da oposição, procurando explorar a legítima insatisfação da população, joga a responsabilidade para o atual Prefeito, que não deu um tratamento adequado às árvores da cidade, o que evitaria o tamanho do desastre. O próprio Prefeito, para se livrar da culpa, junto com o governador, seu aliado, descarrega os ataques sobre a ENEL, empresa distribuidora de energia, que não conseguiu responder com rapidez à queda da fiação e à suspensão do abastecimento de centenas de milhares de famílias. Nunes declarou que a ENEL é “inimiga do povo de São Paulo” e está pedindo a revisão e caducidade do contrato de concessão da empresa. Mas aproveita para acusar o governo federal e o próprio ministro de inépcia e omissão na concessão. 

O governo federal, por sua parte, desviou as baterias para o outro lado, atacando a agência reguladora do setor elétrico, a ANEEL, que não teria fiscalizado com rigor o desempenho e a gestão da ENEL. Curiosamente, o governo do PT parece poupar a empresa privada concessionária dos serviços, na direção contrária do discurso da esquerda tradicional, contra a privatização. Enquanto a mentecapta presidente do PT, Gleisi Hoffmann, afirmou que “a crise da ENEL e o descaso da prefeitura refletem a falência do modelo privatizado, que prioriza acionistas e abandona a população”, o Presidente da República e o seu ministro de Minas e Energia investem nas críticas às agências reguladoras, incluindo a ideia de coincidência dos mandatos dos seus diretores com o mandato presidencial. Ideia que expressa o entendimento do Presidente Lula de que as instâncias de Estado, como as agências reguladoras e o Banco Central, devem estar subordinadas ao governante de plantão, no caso, ele, e aos seus interesses políticos, o que contamina as responsabilidades de Estado. O ministro Alexandre Silveira classifica a agência de “ANEEL bolsonarista” porque parte da sua diretoria foi empossada no governo de Jair Bolsonaro após a aprovação do Senado Federal. Pelo visto, Silveira gostaria de ter uma ANEEL lulista, perigosa politização destas instituições. 

Na grave crise de energia de São Paulo todos têm alguma responsabilidade por não terem tido capacidade de preparar a cidade e a rede de distribuição para os eventos climáticos extremos, como o que se abateu sobre o Estado na semana passada. Ocorre que, na guerra de empurra das responsabilidades, o mais provável é que não se avance com medidas sérias de antecipação e previsão de futuros prováveis eventos extremos. E, o que é mais grave, o calor do debate gera um questionamento do mérito das concessões privadas de serviços públicos e do modelo de regulação externa pelo Estado (e não governo), com a tentativa de politização das agências reguladoras e submissão ao governo de plantão. As concessões privadas, é necessário insistir, são um grande sucesso, principalmente quando se consideram as dificuldades gerenciais das antigas estatais (pesadas e permeáveis aos governos do momento), e as restrições financeiras que inibiam os investimentos. Quase toda a rede de distribuição de energia elétrica no Brasil é gerida por uma concessão privada que tem sido capaz de atender à demanda crescente de eletricidade das cidades e do meio rural, resultado de contratos e compromissos assumidos com a ANEEL. Diante dos eventos climáticos extremos, como agora na região metropolitana de São Paulo, as estatais de distribuição de energia elétrica estariam qualificadas para evitar a crise do abastecimento dos domicílios paulistas? Gleisi Hoffmann acredita nisso?  

Evidentemente, é inaceitável a lentidão na recuperação do atendimento da eletricidade à população de São Paulo, e precisa ser investigado o desempenho da ENEL à luz dos compromissos assumidos no contrato de concessão. Se for comprovada a leniência e a incapacidade gerencial e financeira da concessionária, o não cumprimento das metas de investimento, deve ser tomada a decisão de suspensão do contrato de concessão e, neste caso, a abertura de nova licitação. Para isso existe uma agência reguladora tecnicamente qualificada e independente do governo do momento, para exercer a fiscalização e orientar decisões que podem levar à intervenção na empresa. A ANEEL pode ter falhado neste caso? Claro, e é necessário avaliar e definir responsabilidades. Entretanto, apostar na sua fragilização institucional e na politização das instituições – a ANEEL de Bolsonaro e a ANEEL de Lula – procurando subjugá-las ao governo de plantão, o Brasil estará desestimulando o investimento de capital privado em projetos de infraestrutura e na concessão de serviços públicos. E como, sabidamente, os governos não têm capacidade de investimento, os brasileiros estarão cada vez mais vulneráveis diante dos violentos temporais que devem se intensificar no futuro.