O conceito de espaço vital não é uma invenção de Donald Trump. O primeiro a desenvolvê-lo foi o geógrafo alemão Friedrich Ratzel, professor de geografia da Universidade de Leipzig, considerado o fundador da geografia política. Sua teoria ficou conhecida como Lebensraum, termo resgatado por Hitler em sua política expansionista para o Leste Europeu, durante a Segunda Guerra Mundial. O pensamento de Ratzel foi desenvolvido nas últimas décadas do século XIX como justificativa ideológica para a expansão do imperialismo e do colonialismo, com vistas a levar a acumulação capitalista à sua etapa superior, segundo a definição clássica de Lenin.
Sua visão geopolítica se desenvolveu quando visitou os Estados Unidos e estudou tanto a “Doutrina Monroe”, com sua afirmação da “América para os Americanos” – ou seja, como área de influência e espaço vital para os Estados Unidos –, quanto a marcha para o Oeste americano e o conceito de Destino Manifesto, expressão usada pela primeira vez em 1845 pelo jornalista John Louis O’Sullivan. Essa visão, que agora Trump resgata, atribuía aos Estados Unidos a missão divina de expandir seu território para outras regiões e outros povos, com vistas a levar o “progresso e a civilização” aos territórios até então inexplorados. Como sabemos, a expansão para o Oeste levou à dizimação e subjugação dos indígenas. Dessa maneira, os EUA asseguraram seu “espaço vital”, chegando até a costa do Pacífico.
Essa visão de atribuir a determinados países o papel de “portador do progresso” para povos “incivilizados” é o núcleo central da Lebensraum de Friedrich Ratzel. Segundo ele, “todas as raças ou povos com dotes civilizacionais superiores” precisariam de um vasto espaço físico para seu desenvolvimento. Assim, teriam o direito de subjugar “povos e raças inferiores”, que seriam “indignos” dos territórios em que viviam.
Hitler levou até as últimas consequências a teoria de Ratzel quando invadiu a União Soviética e outros países do Leste Europeu. A geopolítica hitlerista entendia a Alemanha como um território insuficiente para alimentar sua população ariana e dotar o país dos recursos naturais necessários para seu desenvolvimento econômico e bélico. Assim, as vastas estepes ucranianas, as regiões petrolíferas da União Soviética e seu imenso território eram o “espaço vital” para os alemães, uma raça superior por designação de Deus, segundo o credo nazista.
A “germanização” do Leste Europeu foi uma visão geopolítica do nazismo, que considerava os arianos uma raça superior e os povos dominados, particularmente os eslavos, como uma sub-raça. A “limpeza étnica” da Europa Oriental implicava também no extermínio dos judeus da região. Exterminar parte expressiva dos povos dominados era fundamental para assegurar a Lebensraum de Hitler. Era essencial reduzir os povos dominados a apenas mão de obra necessária para a exploração dos recursos naturais e produção de alimentos para a Alemanha, atendendo “às necessidades de guerra”. Alimentá-los, para Hitler, seria desviar recursos fundamentais para a sobrevivência alemã.
Com a derrota do nazismo na Segunda Guerra, a humanidade imaginava ter deixado para trás os tempos em que grandes potências se atribuíam missão divina e definiam determinadas áreas ou países como seu “espaço vital”. Infelizmente, tais conceitos e valores voltam agora, com a posse de Donald Trump, como deixou claro já em seu discurso:
“Os Estados Unidos voltarão a se considerar uma nação em crescimento, que aumenta a nossa riqueza, expande o nosso território, constrói as nossas cidades, eleva as nossas expectativas e carrega a nossa bandeira para novos e belos horizontes”, disse Trump, acrescentando: “E perseguiremos o nosso Destino Manifesto até as estrelas”.
Ao considerar o Canal do Panamá, a Groenlândia e o Canadá como espaço vital para a segurança dos Estados Unidos, Donald Trump repete a mesma geopolítica que inspirou Hitler. Pode não usar os mesmos métodos, mas o conceito de “povos inferiores” está presente em sua política de imigração.
Ainda não está claro como Trump pretende assegurar seu “espaço vital”. No caso do Canal do Panamá, admitiu o uso da força contra uma pequena nação que sequer tem Forças Armadas. Em sua conversa telefônica com a primeira-ministra da Dinamarca, Mette Frederiksen, foi taxativo em sua determinação de tomar a Groenlândia. A ilha, devido ao aquecimento global, tornou-se estratégica como rota marítima e por possuir minerais estratégicos agora passíveis de exploração.
Não está descartada uma New Big Stick, similar à política aplicada por Theodore Roosevelt no início do século XX, que levou a Colômbia a perder o território que hoje compõe o Panamá e deu aos EUA o direito de controlar o Canal do Panamá até 1979. O Big Stick ampliou o direito dos Estados Unidos de intervir em outros países, pela diplomacia ou pela força militar.
A política de Trump pode retroalimentar o antiamericanismo, sentimento que vinha em declínio em nosso continente. Não demoraria muito para o coro “Yankee go home” voltar a ecoar nas ruas de “Nuestra América”.
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