Nasci no pós-Segunda Guerra Mundial. O mundo tinha dois pólos claros de poder. União Soviética e Estados Unidos da América do Norte disputavam a hegemonia. Dois pólos que se enfrentavam na busca do poder e da liderança tecnológica. A tensão constante, a Guerra Fria. A propaganda como arma. Lembro-me da frustração americana quando Iuri Gagarin foi o primeiro ser humano a viajar no espaço. A luta desenfreada para ser o primeiro a chegar à Lua.
O tempo passa e vem o declínio do mundo soviético, emblematicamente representado pela queda do Muro de Berlim, em 1989. Vaticínio dos analistas: o mundo tornar-se-á unipolar. A liderança americana será inconteste. O desenvolvimento das nações passará, necessariamente, pelos desígnios do país do Norte.
Não foi bem assim. A União Europeia encontrou seu espaço. Surge a China como um novo ator, cada vez mais forte e atuante. A Rússia se reorganiza. Os BRICS, inicialmente sem a África do Sul, começam a ganhar importância. Países asiáticos, os tigres asiáticos, reestruturam-se e ganham posição no cenário internacional. A globalização era o mantra, permitindo que blocos intermediários se formassem. Um mundo em que a concentração do poder não é tão clara. A hegemonia compartilhada, a produção compartilhada.
Uma nova lógica tenta ser estruturada. O primeiro Trump é um marco. A extrema-direita se organiza, ganha espaços. Sob a liderança dos estadunidenses, passa a ter um objetivo nítido de poder e dominação. Conquista países importantes na Europa e na América Latina. A prática é muito parecida: uso massivo das mídias sociais, disseminação de inverdades, fake news tornam-se moda, retorno ao nacionalismo exacerbado, criação de fantasmas no comunismo e na presença de imigrantes desafortunados, todos vistos como marginais e destruidores das principais bandeiras da “pátria, da família e da sociedade”.
Num primeiro momento, não se firmam, perdem o governo americano. Mas isso não significa que desaparecem; não se dão por vencidos. Mantêm-se vivos e ativos, com forte atuação na desinformação. Crescem na Europa, têm vitórias na América Latina e, finalmente, conseguem retomar o governo na América do Norte.
Com um discurso xenófobo, em que só são importantes os interesses do país, solidariedade é algo a ser esquecido. Novo mantra: buscam retomar a ideia de um mundo unipolar, ao qual todos os outros devem se submeter. Nas palavras do novo presidente americano: “Eles precisam mais de nós; nós não precisamos deles”.
Sem discutir a ridícula frase, é importante entender quem são “nós”.
Fica claro, como bem ressalta um dileto amigo, que o que se está constituindo é uma plutocracia: o exercício do poder, nos Estados Unidos, pelas classes mais abastadas da sociedade. E, para estas, é fundamental que o mundo se submeta aos seus desígnios, seus interesses de valorização do capital, de exploração dos demais.
Três grupos principais são a base desse governo, desse modo de pensar o país mais poderoso da atualidade: as Big Techs, o setor de energia poluente assentado no petróleo e a indústria de armamentos. Não é à toa que aderem no primeiro momento, financiam todos os eventos de campanha e se apresentam triunfantes na cerimônia de posse.
As Big Techs exigem, e são atendidas, a ausência de controle das novas mídias que a internet trouxe. Com isso, os conteúdos tornam-se livres, tudo é permitido. O que estava na deep web passa a ser explícito, e a manipulação das massas será feita com muito maior profusão. Um vale-tudo em um mundo de intrigas e desinformação usado para manter explicitamente o poder. Mais que isso, não se limitarão à América do Norte, a pressão será clara em acordos comerciais e nas principais reivindicações dos países ocidentais que precisarem de suas parcerias. Poucos governos terão força suficiente para resistir a esse movimento internacional capitaneado pelo país mais poderoso do Ocidente.
A resistência não é fácil, mas passa por fortalecer a multipolaridade, criar mecanismos que tragam informações cientificamente comprovadas na área ambiental e mostrar que a fome e a desigualdade são problemas muito mais relevantes do que a necessidade de armamentos e dominação. Entre outras formas de resistência à avalanche do mal que está sendo formada e foi cuidadosamente pensada.
O caminho é complexo, mas trata-se de uma luta que necessariamente deve ser assumida.
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