Barbosa Lima Sobrinho, ex-governador de Pernambuco, jornalista e candidato a vice-presidente na anticandidatura de Ulysses Guimarães em 1973, deve estar se revirando no túmulo, indignado com a decisão da Associação Brasileira de Imprensa de assinar uma carta a Lula, pedindo que o presidente da República reconheça a legitimidade da eleição do ditador Maduro. Acertadamente, o governo Lula não reconheceu a vitória de Maduro porque a ditadura venezuelana não apresentou, até agora, as atas das urnas. Jamais as apresentará, porque, se o fizesse, estaria passando atestado de ter fraudado as urnas para esconder a insofismável vitória do oposicionista Edmundo González.
Presidente da Associação Brasileira de Imprensa por vários mandatos em diferentes etapas de sua passagem pela Terra, Barbosa Lima Sobrinho fez da defesa da liberdade de imprensa uma missão de vida, particularmente durante os anos de chumbo da ditadura militar. Como presidente do Conselho de Administração da ABI, esteve na linha de frente dos protestos contra o assassinato do jornalista Vladmir Herzog, nos porões do Doi-Codi de São Paulo. Essa era a ABI, motivo de orgulho para jornalistas e democratas. Onde houvesse censura, prisão e tortura de jornalistas, a ABI se fazia presente, botando a boca no trombone para denunciar os democraticidas que amordaçavam a imprensa.
O passado da ABI é para ser reverenciado por todos os amantes da democracia. A entidade dos jornalistas escreveu páginas belíssimas ao longo da história. Ao lado da OAB, da CNBB e da SBPC, foi a voz de uma sociedade civil altiva e ativa, que soube encontrar seus caminhos para superarmos a ditadura militar e ingressarmos no mais longo período democrático de nossa história, sem intervenção ou golpe militar. Essa é a ABI viva em nossa memória: a de uma entidade de classe intransigente com ditaduras que assassinam, torturam e matam opositores, sejam eles mulheres ou adolescentes.
A atual diretoria da Associação Brasileira de Imprensa desonra o passado da entidade dos jornalistas ao assinar uma nota infame e vergonhosa em apoio (é disso que se trata) à única ditadura da América do Sul, que disputa com a da Nicarágua o título de ditadura mais sanguinária e democraticida do continente americano. No regime totalitário de Maduro, jornalistas são presos e torturados; quando não assassinados, sofrem o garrote da censura que se impõe sobre todos os meios de comunicação.
Em vez de ser coerente com o seu passado e defender a liberdade de imprensa onde ela esteja sob a guilhotina de ditadores, a ABI atual assina uma carta que legitima o algoz dos jornalistas venezuelanos, cometendo a pachorra de pedir a Lula que retifique um dos poucos acertos de seu governo na relação com a ditadura venezuelana. Seu governo cometeu muitos erros nessa relação, chegando a estender o tapete vermelho para Maduro em sua última visita ao Brasil. Uma certa ingenuidade, associada a afinidades ideológicas, ditou a postura do governo Lula III no tocante ao regime de Maduro.
Essa ingenuidade levou Lula a acreditar que o ditador venezuelano cumpriria o Acordo de Barbados e realizaria uma eleição livre e reconhecida pela comunidade internacional. Mas, reconheça-se: após a fraude eleitoral ter sido sacramentada, o presidente acertou ao não reconhecer a vitória de Maduro e exigir que ele apresentasse as atas das urnas. Acertou também ao se posicionar contra a aproximação do Brics com a ditadura venezuelana. O absurdo dos absurdos: enquanto o governo Lula finalmente acerta o passo, a ABI vem a campo para defender um regime democraticida. Durma-se com um barulho desses.
Não sou dado a escrever na primeira pessoa do singular. Vou fugir à regra, tal o meu estupor ao ler a lista das entidades signatárias da mesma carta. Entre elas, encontrei a União Brasileira dos Estudantes Secundários. Fiquei indignado e senti imensa vergonha, apesar de saber que há décadas a UBES transformou-se em correia de transmissão do PCdoB, partido que acredita que “os avanços sociais” justificam a supressão das liberdades e a instalação de ditaduras. O pior é que, no caso venezuelano, não há avanços sociais. Há fome, desemprego e um enorme êxodo de venezuelanos que fogem da miséria.
Como Barbosa Lima Sobrinho, sou pernambucano. Fui o primeiro presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundários pós o golpe militar de 1964. Fui eleito em um congresso realizado clandestinamente em uma chácara em Campo Grande, Rio de Janeiro, em 1967. Organizei, na clandestinidade, o congresso que elegeu meu sucessor, Marco Melo, outro pernambucano.
Por minha atividade como secundarista, fui preso pela primeira vez na Estação Central do Brasil, quando, em 1966, ia para o 28º Congresso da UNE, levando a saudação dos secundaristas ao Rio de Janeiro. Por causa dessa prisão, entrei na clandestinidade. Depois de contribuir para reorganizar o movimento secundarista do Rio de Janeiro, dediquei-me a reorganizar a UBES. Viajei o país de norte a sul até realizarmos o congresso que me elegeu presidente. Vivi cinco anos clandestino e dois anos e meio na cadeia. Não me arrependo desse passado. Ao contrário, me orgulho dele. Com muita honra, recebi uma placa comemorativa dos 60 anos da UBES. Tenho em minha casa um quadro na parede com essa comemoração. Tem ali um pedacinho de mim, numa história de luta e resistência democrática.
Hoje, sinto nojo ao ver a UBES apoiar uma ditadura e enxovalhar uma história que sua atual diretoria deveria honrar.
A ABI de hoje e a UBES se merecem, irmanadas em defender ditaduras. Vergonha!
Assino embaixo. Conheci a ABI de antes do golpe de 1964, e a UBES dirigida por José Luiz Clertot, quando fui por um ano presidente da UNES (1956). Eram todas instituições democráticas, e Tiberio Canuto mostra como continuaram trabalhando por democracia. A nota de autodenomionados “movimentos sociais” que pedem a Lula que reconheça Nicolás Maduro como Presidente mostra que não sabem absolutamente nada do que está acontecendo na Venezuela. Ou então não têm mesmo vergonha na cara.
Belo Artigo Tibério, com exemplos claros da degeneração de Instituições que já defenderam a Democracia..
Belo Artigo Tibério , você trata da degeneração de entidades que se dizem a democracia –