
Bolsonaro
Com a aceitação, pelo Supremo Tribunal Federal – STF, da denúncia do Ministério Público Federal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e sete dos seus acólitos, os golpistas vão sentar-se no banco dos réus. O sistema democrático começa assim a julgar os seus inimigos. A instituição democrática mais atacada pelos bolsonaristas tem agora a responsabilidade de analisar a denúncia e julgar os crimes de tentativa de golpe e destruição violenta do Estado de Direito praticados por Bolsonaro e outros conspiradores. Não bastassem as reiteradas declarações e os inúmeros pronunciamentos de Bolsonaro, manifestando sua vocação de ditador e suas pretensões de ruptura institucional, a denúncia do MPF demonstra que foi montada toda uma engrenagem para destruir as instituições democráticas e implantar uma ditadura no Brasil. Os indícios e as provas materiais arroladas, grande parte das quais já divulgada pela imprensa, evidenciam que a democracia brasileira foi salva da fúria bolsonarista por muito pouco: a força das instituições, o reconhecimento das eleições pelo presidente dos Estados Unidos, e a recusa de alguns altos comandantes das Forças Armadas a embarcar na aventura golpista.
Do ponto de vista jurídico, existem sólidos fundamentos para que o processo iniciado agora leve à condenação e à prisão de Bolsonaro e dos outros líderes do movimento golpista. Como ficou evidente na fragilidade das defesas dos denunciados na sessão da primeira turma do STF, aos réus sobra agora apenas a movimentação política: tentar uma nova manifestação de apoio a Bolsonaro (lembrando que a primeira, que defendia a anistia fracassou) e a criação das narrativas falsas de perseguição política, para alimentar seus seguidores. Infelizmente, alguns ministros do STF caíram na tentação de politizar o julgamento, com discursos contra ditaduras e a transmissão de vídeo sobre os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023, já amplamente difundidos nos meios de comunicação. “A ditadura mata!”, afirmaram Flávio Dino e Carmem Lúcia. Sim, e o que isso tem a ver com os aspectos jurídicos da denúncia? “Não vejo nenhuma bíblia”, falou Alexandre de Morais, analisando o vídeo. A politização é inconveniente para a Alta Corte de Justiça do Brasil, e só serve ao populismo dos inimigos da democracia. O STF tem que assumir uma posição isenta e rigorosamente jurídica e processual, para evitar brechas que possam ser exploradas pelos bolsonaristas para tumultuar o julgamento. A democracia sobreviveu à tentativa de golpe, mas agora precisa se fortalecer com o rigor do julgamento e com a punição severa do núcleo duro dos golpistas.
Certamente “o STF tem que assumir uma posição isenta e rigorosamente jurídica e processual”.
No entanto, os 14 anos de punição para quem escreveu em batom “perdeu Mané” na estátua do STF e as centenas de implacáveis julgamentos dos baderneiros do 08/01, não parecem indicar equilíbrio e imparcialidade.
Faço uma glosa ao editorial:
A referência à sanha destruidora da ditadura, feita por Flávio Dino e secundada por Carmen Lúcia, foi motivada pelo discurso manhoso dos advogados de defesa dos réus, procurando descaracterizar a tentativa de golpe por nela não ter havido mortes. Uma objeção que exigia ser rejeitada.
Por outro lado, quanto ao uso de vídeos em apoio ao voto do relator Alexandre de Morais, cabe lembrar que todo processo judicial em julgamento público, por um colegiado, tem um componente de cenografia, que não se deve desprezar. Basta ver a verve quase apoplética dos defensores dos acusados, representando seu papel de indignação pelas “injustiças” praticadas pelos doutos juízes.