Minha mãe tinha 18 anos. Sempre teve. Ou pensava, e agia, como se tivesse. O que dá no mesmo. Para definir quem era, basta lembrar frase de Dostoiévski que vivia repetindo: “Sinto um prazer quase indecente de viver”. Quando fez 40 anos, mandei bilhete: “Mamãe. Não é por nada não mas a IDA começa aos 40”. A volta veio só bem mais tarde: “Meu filho. Esperei 40 anos para lhe responder. A IDA pode ser que comece aos 40. Mas a VIDA começa mesmo é aos 80”. Num dos últimos aniversários dela, escrevi: “Me diga Dona/ Maria Lia/ Luar da noite/ Flor do meu dia/ Se brilha ainda/ A luz infinda/ Que eu perseguia”. Essa luz findou, agora. É o destino de todos nós. Com 92 anos, publicou livro contando histórias do passado (Recordar é Viver). Nele, está um poema premonitório que escreveu, Ele Acreditou. Em que dizia:
Ele acreditou nos adultos
E compreendeu que eles não eram sábios.
Ele acreditou na inteligência
E viu que ela construiu uma bomba que pode destruir o mundo.
Ele acreditou na retidão do caráter
E sofreu vendo seu pai ser perseguido por não compactuar com posturas indignas.
Ele acreditou na paixão
E se queimou, portando ainda tisnas dentro da alma.
Ele acreditou na vida
E a transpôs para outros seres, mas desesperou-se descobrindo quanto ela é frágil e tão facilmente extinguível!
Ele acreditou na ciência
E soube que ela é provisória.
Ele acreditou em Deus
E o encontrou injusto e incoerente.
Então ele acreditou na morte…
E ela não o decepcionou.
A morte nunca decepciona, dona Maria Lia tinha razão. É sempre certa. E sempre triste. Mas segue a vida. Um personagem de Carlos Nejar (em A Explosão), Jordana Duarte, depois de perder aquela que a criou, “Olhava para o céu e sabia que lá estava vagando sua mãe”. Assim seja, com todos os filhos. Por isso ao acordar, e até fim dos tempos, a primeira coisa que farei vai ser olhar para o alto. Na esperança de ver, pelos céus impossíveis e distantes, minha mãe passeando nos raios de uma luz infinda. Jovem e bela. Feliz. Em paz.
José Paulo Cavalcanti Filho.
Bela crônica. E bom momento para recordar a morte da minha própria mãe, aos 97 anos bem vividos. Sem sofrimento, com minha irmã mais nova ao seu lado, ao violão, cantando as canções que ela tanto apreciava cantar, até seus últimos dias.