A história se repete mesmo. Razão para Maquiavel (O Príncipe), mais que Marx (18 Brumário), para quem seria sempre farsa. Prova é que esse ficar em casa, por conta da pandemia de agora, já aconteceu antes. No caso, tudo começa em 1964. Quando dr. Arraes é cassado pela Redentora. Preso em Fernando de Noronha, liberta-se apenas em maio de 1965. Seu advogado, Sobral Pinto, sugere que melhor seria o exilio. E acaba em Argel, a Princesa da África Francesa. Por mãos do Presidente Ben Bella – um exótico ex-jogador de futebol que chegou a estatizar os salões de barbeiro do país. Sua casa de dois pavimentos, no Bd. Franklin Roosevelt, era vizinha do muro com o próprio Palácio do Governo. Havia um permanente clima de conspiração, nos brasileiros. Entre eles, o Coronel Jefferson Cardim. Que morreria esperando apoio, de Fidel, para invadir a Amazônia. Quando era grande a saudade, vestia farda e passeava, todo paramentado, pelo kasbah de Argel.
Mas o melhor, naquele tempo, era o bom e velho biriba de quase toda noite. No Bd. Telemly. Em duas mesas de apartamentos com salas contíguas. Num, moravam o Deputado Federal cassado Maurílio (e Angélica) Ferreira Lima e o engenheiro Aécio (e Walkíria) Gomes de Matos. No outro, o arquiteto Lopes (e dona Mimi). Portugueses naturalizados brasileiros que trabalhavam, com Niemeyer, na construção da Universidade de Constantine. Às bordas do Saara argelino.
Noite de 04.11.69. Walkíria descarta um 3 de copas. Dr. Arraes, próximo a jogar, põe a mão na carta. Mas o rádio interrompe seu gesto. Anunciando o assassinato, em São Paulo, de Carlos Marighella. Todos ficam paralisados. Dr. Arraes eleva seu olhar, até fixar um ponto impreciso da parede. E, com voz embargada com que (se supõe) são ditas as frases históricas, sentencia: “Devemos voltar à Pátria, para comandar a guerrilha revolucionária que vai redimir o povo brasileiro”. Silêncio sepulcral. Passados alguns segundos Maurílio, sem se preocupar com essas palavras, vira-se para ele e diz: “Acabou?, Arraes. Então joga!”. A vida seguiu então, naquele quase fim de mundo, em sua trilha perversa de ilusões perdidas e esperanças vãs. “E o universo/ Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança”, palavras de Pessoa (Campos, na Tabacaria). O povo brasileiro poderia esperar um pouquinho mais. Dr. Arraes pega o 3 de copas. Ri baixinho. E diz “Bati”.
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