A vitória de Joe Biden nas eleições dos Estados Unidos tirou o joelho do pescoço da humanidade. E o mundo pode agora respirar. Depois de quatro anos da estupidez e da arrogância na Casa Branca, a derrota de Donald Trump devolve às relações internacionais a civilidade da diplomacia e a possibilidade de cooperação, tão importantes no intenso processo de globalização e diante da pandemia do Covid-19.
O governo democrata não vai acabar com as disputas geopolíticas e a busca pela hegemonia global, mas deve distender as relações diplomáticas, recuperar e respeitar acordos internacionais importantes, como o Acordo do Clima.
Diante da iminência da derrota, Donald Trump mostra a sua face autoritária com a tentativa de desqualificação das eleições, tentando suspender a apuração e denunciando fraude e roubo eleitoral, mais uma farsa de um narcisista patológico, desesperado com a queda do seu ridículo topete. O seu recorrente desrespeito às instituições alcançou o paroxismo, na noite da quinta-feira, quando já parecia evidente a sua derrota, com um pronunciamento carregado de mentiras e calúnias, denunciando fraude e roubo no processo eleitoral. Tão grave e irresponsável que as grandes cadeias de televisão (ABC, CBS e NBC) suspenderam o discurso do presidente e anunciaram que era inaceitável transmitir um presidente mentindo e agredindo a democracia.
O aprendiz de ditador pode estar provocando uma crise institucional de grandes proporções nos Estados Unidos, alimentando a polarização e desacreditando a legitimidade do futuro presidente, o que representa também um estímulo à violência dos seus fanáticos seguidores. Lamentavelmente, o presidente que quebrou o Obamacare, ignorou a pandemia, reprimiu imigrantes e estimula o racismo ainda recebeu 48% dos votos dos norte-americanos (e cerca de 12% dos eleitores negros). Mesmo derrotado, o populista Trump tem força eleitoral e seguidores fanáticos que aprofundam a divisão política nos Estados Unidos e pode provocar uma perigosa instabilidade institucional.
Desde segunda-feira não conseguia me concentrar em rigorosamente nada por conta da eleição presidencial americana. Passada essa provação, contudo, e aliviado em ver Trump pelas costas, concluo que se há um único benefício marginal nessa pandemia, foi a derrota dele – a primeira de um republicano à reeleição em oito décadas. Isso dito, parece claro que não foram as “boutades” nem o flagrante reducionismo que o derrotaram. Foi a economia. Do jeito que vinham as coisas lá até fevereiro, e refiro-me ao pleno emprego, seria difícil que alguém lhe tirasse a reeleição. Contaram também, é claro, os parentes dos dezenas de milhares de mortos de COVID-19 que não podiam chancelar um “negacionista”. O que concluir? Que a essência do trumpismo não é vista lá dentro como é aqui fora. E que dezenas de milhões de americanos estavam prontos para consagrar o conceito de “America First”. Narrativas e discursos políticos têm que revistos à luz do anti-exemplo. Ouvi muita gente louvando o tal “ele fala com a gente fala, ele diz o que a gente pensa”. Página virada, vamos ver se ele se comporta até a transmissão do cargo (vai ser difícil). Quanto ao Brasil, não será necessariamente fácil nossa vida em Washington. Mas é inelutável pensarmos que talvez estejamos a caminho de nós também nos livrarmos de um mal maior. Quanto a Biden, ele precisa de descanso intensivo sem tardança. O homem está macerado. Lembra os gerontocratas da velha URSS, apesar dos piques curtos e sorrisos de plástico.
Importante destacar que as investidas populistas de extrema direita de Trump levaram o Partido Democrata a repensar a articulação entre as diversas tendencias do partido, colocando como prioridade a ‘unidade pelo democracia’ e não o discurso setorial das diferentes facções ideológicas. Depois de duas gestões bem sucedidas de Obama, tanto no plano social como no razoável desempnho da eocnomia, os democratas perderam a eleição com Hillary Clintos pela política. Primeiro, não deram uma resposta para a orfandade de parte importante da histõrica base operária do partido que se viu perdida na avalanche da globalização e esquecida pelo dircurso identitário. com poucas referências aos interesses gerais do cidadão americano médio. Na campanha, as tedencias se sobrepunhm ao partido , tanto que, após as primarias, a esquerda representada pelo Senador Bernes deixou o barco correr , sem neshum envolvimento das chamadas monorias ativistas. Por fim , a candidata nâo ajudava . Além do desempenho comfuso em alguns episódiios como Secretára de Estado, o seu destrambelhamento pessoal levou a chamar, em plena campanha, de deploráveis os eleitores de Trump, sem prestar atenção no fato de que as pesquisas já apontavam que uma parcela da classe operária se inclinava em direção ao Republicano. Em lugar de reconquistatar afugentava . Em 2020, o ambiente mudou completamente com Biden, prevalecendo a unidade das diferentes tendencias, com todas as lideranças se envolvendo na campanha e boa parte dos movimentos sociais acatando a proposta de aliança com o Centro do Partido.
Infelizmente não podemos respirar aliviados. O “aprendiz de ditador” ainda tem muito veneno a oferecer para o mundo no futuro próximo.
Na cidade em que um joelho no pescoço matou George Floyd Biden ganhou. Valeu a alusão. Não sei o quanto Trump ainda tem a possibilidade de causar confusão até que seja oficialmente empossado o novo Presidente. Por hora não houve violência, o 3 de novembro foi tranquilo. Pois democracia implica alternância de poder pacífica. Apesar de tudo e apesar de todo o resto, da chamada “guerra cultural”, as eleições americanas mostram que ainda vale o velho “it’s the economy, stupid”. “É a economia, estúpido.” Mas de modo diferente. De onde vem a força do populismo de direita? É o que precisamos investigar, ao lado de brindar a vitória de Biden. Segundo Daron Acemoglu em “Foreign Affairs” 06/11/20, “o primeiro lugar onde buscar uma resposta está nas principais tendências abrangentes da presente era: a globalização e a ascensão das tecnologias digitais e de automação, que, ambas, trouxeram mudanças sociais rápidas com ganhos não compartilhados e rupturas econômicas. À medida que as instituições se mostraram sem capacidade nem vontade de proteger os que sofreram e foram prejudicados por essas transformações, essas mesmas instituições destruíram a confiança pública nos partidos estabelecidos, nos especialistas técnicos que alegam que entendem o mundo e o estão melhorando, e os políticos que parecem coniventes com as mudanças mais perturbadoras e em parceria com aqueles que constantemente se beneficiaram delas.”
A gente precisa ver aqui no Brasil quais são as fontes que alimentam a raiva e o mal-estar, ou até a indiferença. Brindar a derrota de Trump não representa garantia alguma de que será possível só por isso brindar a derrota dos seguidores brasileiros do trumpismo. Será que nossas instituições conseguirão, como aconteceu nos Estados Unidos, coibir os abusos autoritários, o voluntarismo e o desleixo a que estamos assistindo dia sim dia não?
Excelente o diagnóstico de Acemoglu. A ver se os governantes mundo afora aprendem. Aqui no Brasil, claro, só depois de 2022.