Ontem, vi, no Pedro Bial, dois instrumentistas de primeira linha: Winton Marsalis, norte-americano, trompetista; e Hamilton Holanda, brasileiro, violonista. Dois craques.
Entre uma canção e outra, conversaram. Não sei se o melhor, o mais rico, foram as canções que tocaram. Ou se a conversa que trocaram.
Marsalis é um filósofo da música. Já foi premiado com o prêmio Pulitzer, um dos mais admirados nos States. Entre outras coisas, ele disse que jazz é processo. E é encontro. É processo na medida em que envolve as pessoas. Congregando-as. E é encontro na medida em que promove a conexão como a que ele fixou com Holanda. Mesclando sentimentos.
Disse também que jazz é democracia. Na qual a bateria é o presidente da República porque dá o comando, a batida. E os metais são o Congresso porque dão a continuidade, o horizonte.
Bial aproveitou para dizer que essa também seria a aspiração do choro. Que deu berço ao samba. Cujo maestro, mestre maior, não seria outro senão Pixinguinha.
E, aí, teríamos a matriz comum de energia musical que vem de África. Trazida por ventos imemoriais. Tangida por amorosas inspirações. Sacramentadas por vocações incontornáveis. Afro-brasileiras. Quando Bial perguntou a Marsalis se ele apoiava talentos, na direção do Lincoln Center of Jazz, ele respondeu:
– Acredito mais na formação de uma cultura, apoiada no folclore, que beneficie gerações. Do que em talentos individuais.
Está aí, em poucas palavras, uma aula de educação. Uma lição de política cultural. Para encerrar o programa, os dois concertistas executaram, em dueto inesquecível, a canção definitiva de Jobim e Newton Mendonça, Desafinado. Homenageando João Gilberto, o inventor.
Já era madrugada. Desliguei a televisão. Abri a janela. Senti a brisa vinda do rio, deslizando sereno. Pensei nas palavras de Marsalis. Destacando a relevância estratégica do conjunto da cultura sobre o brilho do indivíduo.
Fico torcendo para que as decisões, em nosso país, readquiram essa integridade. Essa completeza. Esperança que os fatos induzam, aqui, a restauração de políticas universais. E não grupais. O Brasil anda precisando do nós. E menos do eu.
Olhei, mais uma vez, a noite do rio. Para despedir-me. Senti a música, como sempre, inspiradora. Eternizando a África, em Marsalis. E humanizando o Brasil, em Holanda.
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