Bolsonaro está dirigindo toda a máquina pública e todo o orçamento público para sua campanha de reeleição. Desse jeito, é capaz, sim, de conseguir ser reeleito. Motociatas são organizadas em várias cidades com dinheiro público. A máquina estatal é usada para arrecadar fundos entre ruralistas, que fazem suas doações, e em seguida são recebidos em palácio para que sejam ouvidos seus reclamos. Como observou alguém, é o “mensalão” institucionalizado, um cinismo e um descaramento sem tamanho. Certamente a campanha de Bolsonaro, com o controle da famosa caneta, está arrecadando de outros grupos de interesse que dependem de boa vontade e favores presentes ou futuros do Estado.
Fora que foi no mínimo conivente com o aumento abusivo do Fundo Eleitoral, outra das suas formas de compra de apoio e de palanque dos políticos do Centrão. Claro que tentou disfarçar, primeiro propondo redução aos níveis do ano passado, com idas e vindas, até falou em vetar, mas nada fez para impedir que dobrasse e nem vetou.
Para os gastos com seu cartão corporativo, na casa dos milhões, determinou sigilo. A mesma falta de transparência predomina nas viagens internacionais, que representaram gastos elevados. A finalidade de cada viagem tem sido apresentada com muitas frases e pouco conteúdo concreto, sem justificarem as comitivas imensas, de composição tecnicamente irresponsável. Para que um vereador do Rio na delegação a Moscou? Aliás, para que mesmo foi essa viagem? E se o problema para nossa agricultura já era o fosfato, para que tantos militares na comitiva à Rússia? Não há como não pensar em pagamento de cabos eleitorais com verba do orçamento do Executivo federal.
No caso dos seus quatro decretos do ano passado, que significavam ampliar o porte de armas para quase toda a população, mas que estão com validade suspensa pelo STF, a dinastia Bolsonaro está se movendo para obter ampliação do porte de armas nos estados através das assembleias legislativas. O índice de mortes por armas de fogo, criminosas e acidentais, não lhes parece suficientemente alto no Brasil.
Aliás, o caos das afirmações e desmentidos é deliberado e Bolsonaro atua nessa linha em outros temas. O poder da caneta com a qual gosta de ameaçar também entrou na batalha da desinformação e nas tentativas de contornar leis vigentes que possam limitar suas ações. Esse já foi o caso das regras com que funcionava o antigo COAF. Mudou o seu nome e sua localização na estrutura administrativa, providenciando ofuscação para o fato de que foram brecadas em parte as suas funções, a ponto de provocarem manifestação de preocupação de comitê da OCDE que monitora lavagem de dinheiro.
O exemplo mais recente das manobras de desinformação é a atuação do Presidente no Dia Internacional da Mulher em 2022: Bolsonaro teve a desfaçatez de assinar um decreto de criação de um programa de saúde menstrual que é praticamente igual ao projeto de lei que o Congresso havia aprovado, que previa distribuição gratuita de absorventes a jovens vulneráveis, e que Bolsonaro vetou ano passado. Como houve muita grita, o Presidente simplesmente “escondeu” o seu veto.
Confundir a opinião pública é sua especialidade: pois não apareceu agora em vídeo, todo compungido, classificando de absurda a declaração do deputado bolsonarista Artur do Val sobre mulheres ucranianas, quando ele próprio, Bolsonaro já fez declarações de teor depreciativo semelhante sobre mulheres, só que brasileiras? Será que a técnica de propaganda é dizer coisas que se contradizem, para mobilizar públicos diferentes, com base na suposição de que não há canais de comunicação entre eles?
O orçamento público é abusado para comprar o apoio de políticos vendidos do Centrão, esse amontoado politicamente amorfo e igualmente interessado apenas em reeleição, através de emendas secretas, mas não secretas também, que favorecem grupos de interesse particulares em projetos aparentemente de interesse nacional (como o monstrengo do projeto de privatização da Eletrobrás). Subsídios são concedidos ou retirados segundo critérios eleitoreiros.
Assim, o orçamento público será usado agora para tentar conter o preço da gasolina, e o prejuízo econômico para a nação, de imediato em forma de inflação e estagnação, será agravado no médio prazo.
Paulo Guedes, transformado em tesoureiro da campanha da reeleição, continua usando suas habilidades acrobáticas para mascarar o estelionato eleitoral do chefe que ajudou a eleger. Guedes trata de nos convencer de que “sem ele seria pior”. Agora, por exemplo, é brandida a ameaça de tabelamento de preços da gasolina, enquanto o governo, Guedes inclusive, apoia uma solução supostamente “menos pior” de usar o orçamento público (seja via subsídios diretos, seja indiretamente usando dividendos da Petrobrás que de outro modo entrariam como receita no orçamento público) para conter a alta de preços.
E não é um assombro ver nosso liberal achar agora que alguém deve comprar ações, mas não deve obter lucro com essas ações? Impossível que Guedes não entenda que a tarefa de conter o preço na bomba é fadada ao fracasso, já que o preço internacional do barril do petróleo continuará em disparada, impossível de ser contido tão cedo, mesmo que seja suspensa a invasão e ocupação da Ucrânia. Vai servir o propósito imediato de mostrar que o Presidente está se esforçando com medidas para ajudar os motoristas, do caminhão ao carrão. Se tiver resultado será pouco e por poucos dias. A conta virá depois. Se taxistas e motoristas de Uber tiverem algum alívio mínimo agora, que até merecem, não escaparão da inflação e da desorganização da economia mais adiante.
Até o coronavirus é usado na campanha eleitoral, também para a reeleição. Pois ora se diz que o virus ficou mais benigno, para levantar demagogicamente medidas sanitárias restritivas com argumentos pouco claros, menosprezar a vacinação, e mobilizar os libertários antivacina que pouco se importam com a ciência ou com a verdade. E ora o coronavirus é considerado ainda perigoso, para ser usado de pretexto por um típico deputado do Centrão como Artur Lira, que continua convocando sessões não presenciais da Câmara, para deixar os deputados lá nos seus redutos eleitorais, em campanha.
E o eleitor, sabidamente imediatista, sem conhecimento suficiente para perceber que há medidas de curto prazo que necessariamente pioram a situação no médio e longo prazo, vai cair na mesma armadilha que foi Dilma em 2014, propagandeando as bondades de uma situação econômica em que o grande público não percebeu que a inflação em alta e a economia em queda já estava contratada pelas políticas econômicas desde 2009, e veio à tona claramente depois da eleição, na recessão de 2014-2016.
Os economistas e cientistas sociais sem dúvida brilhantes desta nação ainda não conseguiram explicar ao grande público, sem economês, jurisdiquês, ou politologuês, que os efeitos de medidas de política econômica, sejam benéficos, sejam maléficos, sempre têm defasagem, os efeitos sempre ficam mais claros passado algum prazo, maior ou menor. É preciso aprender a avaliar consequências. Não adianta colocar o rótulo de populista. O eleitor dos grotões, até a quantidade dos analfabetos funcionais que agora já marca presença nas mídias digitais, provavelmente acha que “populista” quer dizer bom para o povo, quem gosta do povo. Já terá sido treinado, talvez, para considerar que “neoliberal” é xingamento, mas ainda não absorveu que “populista” é xingamento também.
Excelente análise, prezada Helga.
Impressionante que B. ainda conte com tantas intenções de voto. Além de cínico, como você aponta, é desumano. A “terceira guerra” vai ser aqui e seu nome é campanha eleitoral, de sorrateiro e sinistro começo.
Abraço
Um adjetivo pouco comum para qualificar esta análise: percuciente!
Meus cumprimentos, Helga!
E louvor pela escolha da ilustração!
“Cadê o antidoping?” (sugestivo subtítulo). Certamente não é o outro populista que provavelmente disputará com ele o segundo turno. Cadê a terceira via?
O problema da 3a via é que ela nunca exisitiu, sempre foi 4a, 5a, 6a, 7a, e o escambau… Agora estão aparecendo a Erundina e o Alessandro Vieira de 13a e 14a via. Em vez de afunilamento, está havendo fragmentação cada vez maior.