“Tudo é ritmo na infância, tudo é riso.
Quando pode ser onde, onde é quando.
A besta era serena e atendia pelo suave
Nome de Suzana.
Em nossa mão à tarde ela comia o sal e
A palha da ternura humana”.
Paulo Mendes Campos, em Infância.
Âncora fiscal ou âncora social? Já escrevi que elas não se opõem. Sob a proteção científica da opinião de André Lara Resende. Mas, hoje, vou falar sobre outra âncora. A âncora do afeto. Pois o Brasil anda muito necessitado dela. E dele.
O Brasil acaba de tirar certidão de modernidade. No cartório eleitoral. O eleitorado derrotou a proposta de país dividido. Na ira. Por outra proposta de país solidário. No afeto. Esta é a mensagem inicial que quero deixar aqui. O Brasil é contemporâneo entre contemporâneos. Contemporâneo da democracia. E dos direitos humanos.
Num mundo mais complexo. Desde a Segunda Guerra Mundial, conflitos estavam limitados a partes do Oriente. De repente, a tirania de Putin joga o planeta no risco de conflagração continental. Percebemos, então, que inciativas de um país singular alteram o xadrez mundial. Porque estamos mais ligados. Interdependentes. Por isso, a estabilidade política de um país interessa a todos.
O mundo também está mais dependente de lideranças. De suas elites. Este é tema muito estudado por Gaetano Mosca e Vilfredo Pareto. No Brasil, Sérgio Buarque de Holanda e Raimundo Faoro aprofundaram a perspectiva de análise, aqui.
Nesse sentido, penso que parte da elite brasileira mostrou-se indiferente à fome. E declarou-se sensível a um tipo primitivo de autoritarismo. Talvez se possa afirmar que esta fração da elite quase sempre foi auto protetiva. No patrimonialismo de convívio com o Erário público. E pouco reformista. Nos degraus da mobilidade social.
Praticando puro autoengano, sociedade e elite correm risco. No salto abissal da desigualdade que afeta os brasileiros. E não é votando em propostas extremistas, em rupturas antidemocráticas, que vamos resolver a nação. É com reformas sensatas, pacíficas, viáveis, humanísticas, que podemos continuar. Sendo o que sempre fomos. Um povo alegre, rico na diversidade. E sustentável como projeto.
É bonita a volta do afeto. Um presidente que chora. Ao invés de ofender. Uma equipe que diverge e discute políticas públicas. Ao invés de se curvar ao arbítrio do “um manda, outro obedece”. Afeto é expressão singular. E coletiva. É singular no SUS, no atendimento a cada família pelo PSF. É coletiva quando celebra os oitenta anos de Gil, de Caetano e de Paulinho da Viola.
O afeto é singular quando o presidente eleito mostra respeito a Simone Tebet e a Marina Silva. E o afeto é coletivo quando o presidente viaja à COP 27 para defender o meio ambiente. O afeto é singular quando o presidente se solidariza com a família de Gal Costa. E o afeto é coletivo quando o presidente elege a fome como prioridade de governo.
Semana passada, encontrei com Ester. Uma criança de onze meses. Estava no colo da mãe. Que participava na Uninassau de feira de empreendedorismo. Brinquei com ela. Ester riu um riso generoso de toda criança. Ao voltar para casa, vim pensando que 60% dos chefes de família no país são mulheres. São as mulheres brasileiras que respondem pela sobrevivência da infância nacional.
Por isso, a âncora mais urgente para o Brasil é a âncora do afeto. Antes de qualquer outra. E, por isso, concluo com versos de Infância, de Paulinho Mendes Campos:
“Um homem é, primeiro, o pranto, o sal,
O mal, o fel, o sol, o mar – o homem.
Só depois surge sua infância-texto,
Explicação das aves que o comem.
Só depois antes aparece ao homem”.
Muito linda sua crônica. É verdade que o afeto precisa voltar. Mas eu sou mais cética: desde os 1970s falamaos que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, a provar que aqui o individualismo do “meu pirão primeiro” predomina sobre o afeto. E o Estado brasileiro continua criando mais desigualdade ao invés de atenuá-la. Mas Lula criou de novo esperança. Mesmo assim, simpatia pelo homem que chora já não dá pra ter: viu o vídeo do Bolsonaro chorando diantes dos militares? Um nojo.