Pode parecer mesquinha a abordagem de tema tão rasteiro, no momento em que a sociedade brasileira se mobiliza por causas tão nobres. Mas ninguém poderá deixar de reconhecer que lidamos também com questão assimilável às grandes bandeiras reivindicatórias, tendo lugar ao lado da não violência, da moralidade administrativa, da educação e da melhoria dos serviços urbanos: a saúde pública.
Na verdade, eu já tinha ideia de escrever sobre isso há algum tempo, e o belo despertar cívico a que assistimos agora contribuiu para converter a intenção em gesto. Vai o texto, portanto, a título de modesta contribuição à pauta de reivindicações desses jovens que, como numa súbita resposta ao apelo do veteraníssimo Stéphane Hessel (“indignez vous”), vêm colorindo e alegrando as nossas ruas.
Com o perdão de Hannah Arendt para uma paráfrase irreverente ao seu famoso conceito, declaro-me surpreso com o fato de nos termos acomodado, nesta cidade de tantas belezas naturais, com a “banalidade do mal estar”. Pois outra não pode ser a impressão de quem convive, diariamente, meses a fio, com o desconforto visual, olfativo e psicológico dos esgotos estourados, inundando as nossas vias de acesso à morada, ao local de trabalho, aos espaços de lazer. Seja na periferia, de que se tem frequente notícia pelas páginas dos jornais abertas à contribuição dos leitores, seja em bairros ditos nobres, como Espinheiro, Graças, Aflitos, Boa Viagem, onde moram a classe média e o patriciado, não se pode circular sem dar de frente com poças, ou mesmo charcos de dejetos humanos.
Não é aceitável que um prefeito municipal depositário de tantas esperanças quede-se acomodado diante disso, culpando os maus hábitos dos seus munícipes, que entopem de lixo as galerias, ou alegando a circunstância de caber a uma companhia estadual a lida com o problema. Afinal, são os seus concidadãos que sofrem a pena e a vergonha, e é a sua cidade que oferece aos visitantes esse cenário ignominioso. Suas boas relações com o Governador do Estado, que o indicou e o fez burgomestre, estão aí para ajudá-lo, se tomar a peito a tarefa elementar do saneamento urbano.
Tenho toda a simpatia pelas recentes propostas de conceituados urbanistas para a recuperação e o alargamento de calçadas e a implantação de passarelas nas margens dos rios, ainda que bem mais difíceis de concretizar, pela necessária compatibilidade com a arborização das ruas e a vegetação nativa das bordas do Capibaribe. Mas mesmo essas inovações não são conciliáveis com lagoas fétidas roubando espaço aos automóveis e transeuntes. Até mesmo as ciclovias – um projeto já em execução – resultam prejudicadas, quando os seus usuários, em veículos abertos, tem que mergulhar os pés em águas servidas e detritos.
Entendo, enfim, que o trabalho de saneamento do Recife, sempre desprezado por sucessivas administrações municipais, pelo seu parco efeito cenográfico, é tarefa fundamental, preliminar a qualquer melhoramento que se pretenda para a capital pernambucana. Senão teremos sempre, como temos agora, em lugar de uma “cidade parque”, uma “cidade esgoto”.
Infelizmente, você tem razão, Clemente Rosas. Recife é uma cidade que fede! É incrível a distância que se estabelece no parecer de quem vê a cidade em fotografias, onde ela se mostra linda, encantadora, com seus rios e pontes e o desprazer de quem tem que caminhar por suas ruas, que além de sujas, fedem. fede a esgoto, a águas servidas, a merda, mesmo!