Semana passada, o ministro Dias Toffoli libertou um condenado por corrupção (mais um), ex-prefeito do Amapá. Para o leitor não habituado a temas jurídicos, digo como. Depois de denúncia, pelo Ministério Público, inicia-se a ação com as partes expondo seus argumentos. Nessa fase, pode-se pedir a produção de provas; e o réu, se quiser, também alegar incompetência do juízo. Condenado, sobe a ação ao tribunal (3 Desembargadores, agora), em Recurso de Apelação. Julgada, segue para os tribunais superiores. Em Recurso Especial (para o STJ) e/ou Extraordinário (Supremo). Julgada a ação em instância final, e publicada a decisão, espera-se (15 dias) o trânsito em julgado. Único recurso possível passa a ser depois disso, no prazo de até 2 anos, uma Ação Rescisória. Mas só se houver “Fato Novo”. Sem o que, vai tudo para os arquivos, segundo o Código de Processo Civil – CPC. Foi o que se deu. Ocorre que o ministro Toffoli, em decisão monocrática, decidiu tornar tudo sem efeito. Como?, não explica. Manda quem pode. Soltou o corrupto e determinou que os autos vão para o TSE. Onde, provavelmente, não será julgado. E haverá prescrição. Viva a corrupção!!!, se poderia dizer. Sem recurso requerendo isso. Para o Supremo, o CPC não vale nada.
Em outro evento, já nesta semana, o ministro Gilmar Mendes decidiu reabrir o caso de Imposto Sindical. Que era pago por todos os trabalhadores e, agora, apenas pelos sindicalizados. Não é alto o número dos sindicatos, por toda parte. Em Portugal, por exemplo, tentei de todas as formas saber quantos eram e o governo dizia sempre “em torno de 100”. Não creio que seja muito diferente, nos outros países. Enquanto, aqui, chegamos a 16.512 (em 2017, conta do mestre José Pastore). Por conta do tal “Imposto Sindical”, em boa hora desaparecido. Alimentando quem faz, do sindicalismo, só um meio de vida. Mais grave é que os ministros, agora, cogitam criar uma “Contribuição Assistencial Obrigatória, para associados e não associados”. Isso num regime monopolista, como o brasileiro, da “Unicidade Sindical” garantida pela Constituição (art. 8º, II). E, não, o bem mais democrático, da “Pluralidade Sindical”. Bom ver que nem o governo pode intervir nessa matéria, também por conta da Constituição (art. 8º, I). E estamos falando de não pouco dinheiro, algo como 8 bilhões de reais, por ano. Problema só que, senhores, numa Democracia quem tem a garantia constitucional de fazer leis é o Poder Legislativo. E o Congresso Nacional já o fez, com a Reforma Trabalhista de 2016/17. O Supremo julga, somente. Deveria. Mas, agora, se considera no direito de também fazer leis. Mesmo quando não haja uma questão constitucional, por trás. Como se, para o Supremo, o Congresso não valesse nada. E assim ficamos. Os sindicatos querem, tudo se resume a grana, para garantir suas boquinhas; o novo governo quer, para agradar os sindicatos; e os ministros do Supremo querem, para agradar o governo. Simples assim. E já passou da conta.
Enquanto isso, ficamos discutindo perfumarias. Nos jornais, os debates mais frequentes são de mandatos, para os ministros, sob alegação de que “é assim no mundo todo”. Não é. Só existe em França, Itália e Portugal, com mandato de 9 anos. Mais Alemanha, 12 (deu tão errado, por lá, que já estão querendo alterar). E o desejo de que a Presidência da República indique apenas 3 ministros, cabendo os demais ao Congresso. Imitando (os países variam, mas contando só aqueles em que o parlamento indica parte ou a totalidade da Corte) Alemanha, Espanha, França e Itália. Também não são muitos países, já se vê.
Volto ao tema apenas para dizer que há só dois temas verdadeiramente importantes a discutir. Um é que o Supremo passe a ser, apenas, uma Corte Constitucional. Como TODOS os países do mundo. O que permitirá que, em vez dos 89.739 casos julgados ano passado (CNJ), passe a decidir mais refletidamente e bem menos: como Alemanha, 90 casos; Inglaterra, 82; Estados Unidos e França, 80; Canadá, 60 (números do ano passado).
E, dois, não mais permitir decisões monocráticas. Uma invenção brasileira. Quando em TODOS os demais países as decisões devem ser sempre coletivas. O que fez com que nosso Supremo tenha deixado de ser uma corte para ser 11 tribunais isolados e plenipotências, cada ministro decidindo o que lhe der na veneta. Semi-deuses, castos e puros, atropelando as leis e mandando no país. Deveríamos mudar logo esse quadro, caso o Brasil fosse um país sério. Quem dera.
Observações e recomendações corretas e bem fundamentadas. Nossos aplausos.
Só acrescentamos uma proposta: fixar prazo para os pedidos de vista dos ministros. Como está agora, qualquer ministro, na prática, pode obstaculizar qualquer decisão do plenário, engavetando o processo.
Mais que certo o jurista José Paulo Cavalcanti Filho. Vejo há anos críticas a essa ”jaboticaba” das decisões chamadas monocráticas. Por que existe? Será deliberado, para que nunca qualquer decisão do Judiciário tenha o rigor da precisão? Amor ao nebuloso? Não percebem que desmoraliza a Corte Suprema que assim não é Corte, nem Suprema? Dezembro passado o STF alterou o regimento interno estabelecendo prazo de 90 dias para devolução dos pedidos de vista e determinando que decisão individual de um Ministro deve ir imediatamente para o plenário virtual. Não adiantou nada? Tem prazo para o plenário virtual então apreciar a decisão monocrática? Parece que até há no Congresso projeto de lei ou PEC para proibir decisões monocráticas.
Magistral o artigo de JPC! Sublinho este comentário de H.H.
Temos um legislativo corrupto, assim como, no mesmo nível, um executivo e e um judiciário igualmente corruptos. Somos enfim um país viciado em corrupção. O artigo faz uma abordagem oportuna, séria e fundamentada a respeito da quebra da independência harmônica entre os poderes da República. Mas qual a solução?
O nosso Zé Paulo nos deu uma aula. Parabéns. Subscrevo e assino. Só não dou fé, porque não a possuo.
Amigo Zé Paulinho, cordiais saudações,
Nosso apoio e total endosso às vossas palavras.
Com apenas um adendo:”Passou da Conta” … e da hora, faz tempo.
Abraço forte e saúde,