discussing – by louis Charles moeller.

 

Mais conversas em livro que estou escrevendo (título da coluna). Como é São João, dia de festa no Nordeste, hoje só com nossos cantadores,

CÂMARA CASCUDO, escritor. No terraço de sua casa na Rua Junqueira Aires (bairro da Ribeira, Natal), próxima da Praça das Mães, dois cantadores esperavam para se apresentar. Foi quando um deles viu besouro cascudo pousar nos ombros do mestre e pegou na viola

– Estou vendo dois cascudos

Um do outro é diferente

Um não tem raciocínio

O outro é inteligente

No mato cascudo é bicho

Na praça Cascudo é gente.

 

GERALDO AMÂNCIO PEREIRA, cantador (de Cedro, Ceará). Pediram que cantasse as glórias da ciência e ele

– O mundo se encontra bastante avançado

A ciência alcança progresso sem soma

Na grande pesquisa que fez no genoma

Todo corpo humano já foi mapeado.

No mapeamento foi tudo contado

Oitenta mil genes se pode contar

A ciência faz chover e molhar

Faz clone de ovelha faz cópia completa

Duvido a ciência fazer um poeta

Cantando galopes na beira do mar.

 

IVANILDO VILANOVA, cantador (de Caruaru, Pernambuco). Com muita honra, para mim, sou padrinho de uma de suas duas filhas, Indira Essênia. É dele essa Cantiga de Conselho

– Você pode no muque arrebentar

Seja a porta da frente, ou da dispensa

Mas apenas pedindo com licença

Ela pode se abrir, você passar.

Me perdoe diga sempre quando errar

Não é feio ninguém ser educado

Nem humilde, gentil, ou delicado

O contrário é que é constrangedor

Por favor diga sempre por favor

E obrigado por dar muito obrigado.

 

JOÃO PARAIBANO (João Pereira da Luz), cantador (do Sítio Pinica-Pau em Princesa Isabel, Paraíba). Fazia cantoria com Rogério Menezes (de Imaculada, Paraíba, embora tenha desde menino vivido em Caruaru), quando um cidadão botou dinheiro na bandeja e pediu que falassem mal das esposas, um do outro. Com as próprias presentes! João não se fez de rogado e acabou sextilha dizendo

– Não sei como tu aguentas

Uma mulher brava e feia.

Rogério respondeu

– A minha mulher é feia

Porém digna e singela

Sua mulher é bonita

Entre todas a mais bela

Por isso que muitos ursos

Estão pulando a janela.

E João completou

– A minha mulher é bela

Estando vestida ou nua

Mais parece uma sereia

Quando desfila na rua

Melhor ser corno da minha

Do que marido da tua.

  

JOSÉ CARDOSOcantador (de Encanto, Rio Grande do Norte). O amigo Sebastião Dias, cantador e prefeito de Tabira (Pernambuco), acabou uma décima dizendo que não iria perder tempo cantando com poeta analfabeto, “Afinal sou um Doutor”. E Zé Cardoso respondeu

– Aprendi a cantar sem professor,

Com a graça de Deus eu sou completo

Você vem me chamar de analfabeto

Exibindo diploma de Doutor.

No congresso que eu for competidor

Vou ganhar de você por 10 a 0

Bastião, eu vou ser muito sincero

Se eu deixar de cantar não sou feliz

Ser poeta eu sou porque Deus quis

Ser doutor eu não sou porque não quero.

 

LOURIVAL BATISTA (Louro do Pajeú), cantador (de São José do Egito, Pernambuco)Numa cantoria deram mote, mulher, e ele cantou assim

– Um cientista profundo

Me perguntou certa vez

Se eu conhecia os três

Desmantelos desse mundo.

Eu respondi num segundo

Doido, mulher e ladrão

E dou-lhe a explicação:

Doido não tem paciência,

Ladrão não tem consciência,

Mulher não tem coração.

 

OLIVEIRA DE PANELAS, o Pavarotti dos Cantadores, assim é conhecido (de Panelas, Pernambuco)No Bar Savoy, onde Carlos Pena Filho escreveu seu famoso poema Chope

– Por isso no bar Savoy

O refrão é sempre assim:

São trinta copos de chope,

São trinta homens sentados,

Trezentos desejos presos,

Trinta mil sonhos frustrados.

Cantoria com Otacílio Batista, irmão de Dimas e Lourival. Ali, fui testemunha de uma cena inacreditável. E, na hora, lhe mandei esse bilhete

– Meu amigo Oliveira

Pare, sinta, escute e veja

Otacílio pegou 20

Quero que Deus me proteja

Mas nunca vi cantador

Roubar a própria bandeja

 

Pois no calor da peleja

Como quem bebe aguardente

Comeu o teu queijo frio

Bebeu o teu café quente

E o que era teu e dele

Ficou foi dele somente.

 

SAUDADE. É tema recorrente nas cantorias. Seguem, aqui, três belos exemplos de sextilhas. A primeira de Severino Pinto (de Monteiro, Paraíba)

–  Essa palavra saudade

Conheço desde criança

Saudade de amor ausente

Não é saudade, é lembrança

Saudade só é saudade

Quando morre a esperança.

 

E as duas restantes de Antônio Pereira (de Livramento, Paraíba), conhecido como O Poeta da Saudade

 

– Saudade é um parafuso

Que quando na rosca cai

Só entra se for torcendo

Porque batendo não vai

Depois que enferruja dentro

Nem distorcendo não sai.

 

– Quem quiser plantar saudade

Primeiro escalde a semente

Plante num lugar bem seco

Onde o sol bata mais quente

Que se plantar no molhado

Quando nascer mata a gente.