Marcos Rehder Batista, Luiz Carlos Pereira da Silva, Maria Ester Dal Poz, Jurandir Fernandes (*)

 

 

Lord Keynes, frente ao desafio de restabelecer condições razoáveis para um mundo do pós-segunda-guerra, quando perguntado por que tanta pressa, dizia: “no longo prazo estaremos todos mortos”.  Frente a situação de urgência climático-ambiental do planeta dos dias de hoje, seria possível dizer: “no médio prazo estaremos todos mortos”. 

Para além de urgente, a transição para um mundo sustentável se mostra mais que uma mera mudança: é um novo marco regulatório a ser perseguido. Uma experiência fundamental no aprimoramento dos padrões de governança, e conseqüente otimização da alocação dos recursos em rede (consumo, geração e compartilhamento entre os atores envolvidos), é o projeto Campus Sustentável, que monitora e planeja o uso mais eficiente de energia no campus da Unicamp – em Barão Geraldo – e em uma área residencial (Moradia Estudantil).

O forte crescimento das emissões de gases de efeito estufa tem suas raízes ligadas à Revolução Industrial e ao cada vez mais intenso uso de energia e de outros recursos naturais. Hoje, cerca de 70% das emissões destes gases provêm dos sistemas de uso direto ou indireto de eletricidade.

Embora o aumento do acesso à energia nas últimas décadas tenha trazido benefícios evidentes para a humanidade, como indicado pelo Índice de Desenvolvimento Humano, esse progresso também acarretou um crescimento exponencial das emissões de carbono e seus equivalentes. Surge, então, um dilema: o desenvolvimento implica em maior acesso à energia, mas isso gera impactos ambientais significativos.

A transição para um mundo sustentável não se resume a uma simples mudança de rota, mas requer inovação em diversos setores. É necessário desenvolver novas tecnologias, produtos, processos industriais, cadeias produtivas, sistemas de financiamento, estruturas de mercado, padrões de consumo e arranjos organizacionais para a produção, distribuição e uso de energia e bens. Além disso, é fundamental promover inovação social, tecnológica e organizacional em níveis local, regional, nacional e global. Novas formas de tomada de decisão, políticas públicas e engajamento dos cidadãos também são imprescindíveis. É preciso estabelecer uma nova cultura de consumo, governança descentralizada, policêntrica e evolutiva, que possam criar condições sustentáveis no longo prazo, com aprimoramento da alocação de recursos (consumo, geração e compartilhamento).

Apesar de conhecermos, em certa medida, “o que fazer” e reconhecermos as barreiras para a transição, o desafio reside em responder à pergunta “como fazer”. Assim, torna-se necessário testar a mudança contínua e iterativa entre tecnologias antigas e novas, envolvendo atores de diferentes naturezas, como comunidades de cidadãos, governos e sistemas produtivos. Essa abordagem exige o uso de “laboratórios” maiores do que os comumente utilizados. Um exemplo notável é o caso dos “Laboratórios Vivos para a sustentabilidade”.

Os Laboratórios Vivos são instituições orientadas para observar, investigar, validar e compreender os efeitos e impactos da transição em escala real, em tempo real, envolvendo diversos atores interessados na mudança. Eles não são apenas experimentos científicos, mas incluem audiências múltiplas com os atores interessados na transição:  cidadãos, comunidades, indústrias, agentes de governo, formuladores de políticas, agências regulatórias e agentes de investimentos. Esses laboratórios não apenas testam tecnologias sustentáveis, mas as submetem a ciclos sociais, econômicos e ambientais de validação. Portanto, é crucial incluir um amplo número de representantes da sociedade nesse processo decisório, a fim de avançar na transição.

Os Laboratórios Vivos refletem a interdisciplinaridade em termos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, educação, aspectos regulatórios e políticas públicas, aqui contemplando as ciências humanas e a economia. Eles se tornam ambientes para o desenvolvimento de novas formas de governança, experimentação e inovação social. Essas instituições devem criar a infraestrutura necessária para permitir o desenvolvimento de novos modelos de negócio, a otimização do uso das diversas fontes de energia, a criação de políticas públicas baseadas em evidências e a formação de novos quadros de ensino, pesquisa e extensão.

O projeto Campus Sustentável e o seu desdobramento, o Centro Paulista de Estudos da Transição Energética (CPTEn) na Universidade Estadual de Campinas é um exemplo notável. Está em andamento há quase seis anos e tem se consolidado como um Laboratório Vivo de transição energética, envolvendo a instalação de sistemas fotovoltaicos, substituição de equipamentos por outros energeticamente mais eficientes, promoção de práticas sustentáveis de gestão e educação ambiental. A iniciativa não apenas produz conhecimento científico e tecnológico, mas também serve como uma plataforma de demonstração e difusão de práticas sustentáveis para a sociedade representada por escolas da região, por organizações sociais e empresas parceiras.

Na medida em que o projeto inclui tanto uma área comparável a um centro comercial (o campus da Unicamp em Barão Geraldo) quanto em uma residencial (Moradia Estudantil), proporciona uma orientação preciosa para a implementação de políticas públicas de eficiência energética tanto em âmbito municipal quanto intermunicipal, estadual e nacional. Em outras palavras, pode auxiliar a transformar as políticas energéticas em sua dimensão interfederativa, um sistema nacional de governança, como ocorre em outras áreas, como saúde e educação, com regras aprimoramento de regras de geração e compartilhamento entre as centrais e mesmo na autogeração.

Os Laboratórios Vivos são fundamentais para promover uma transição energética efetiva e equitativa. Eles desempenham um papel crucial na geração de soluções que não apenas transformem a produção e distribuição de energia, mas também busquem equidade social e econômica. Com dinamismo e participação coletiva, esses laboratórios são peças fundamentais para assegurar um futuro mais sustentável para todos.

 

 * Profs. Luiz Carlos Pereira da Silva (FEEC/Unicamp), Maria Ester Dal Poz (FCA/Unicamp), Jurandir Fernandes (FEEC/Unicamp) e Marcos Rehder batista (SP in Natura Lab/Unicamp)