O presidente Lula da Silva deu um belo presente a Benjamin Netanyahu quando comparou os crimes de guerra cometidos por Israel na Faixa de Gaza ao Holocausto do nazismo, que implementou uma diabólica estratégia de eliminação do povo judeu. Em mais uma incontinência verbal, Lula enfiou o dedo na dolorosa e sensível ferida dos judeus, mundo afora, com avós e pais que foram vítimas do extermínio do Holocausto. O governo de Israel aproveitou para despertar a indignação dos judeus com a infeliz comparação do presidente brasileiro, exigindo a retratação e, num gesto nada diplomático, tentou humilhar o embaixador brasileiro no Museu do Holocausto e declarou Lula “persona non grata”. Como Lula não se retratou e, tudo indica que não o fará, o governo israelense escalou a crise diplomática com manifestações grosseiras e inadequadas sobre o Brasil que, segundo Mauro Vieira, Ministro do Itamarati, constituem uma “vergonhosa página da diplomacia de Israel”.
Se a escalada da crise diplomática é muito ruim para o Brasil e para Israel, tensionando as relações entre as duas nações, a troca de agressões parece interessar aos dois chefes de governo: Netanyahu está explorando a impertinência de Lula para vitimizar-se e para sobrevalorizar o incidente como sinal de antissemitismo, procurando fortalecer-se no mundo judaico e no Estado de Israel. E Lula espera, com seu discurso, mesmo que para isso não tenha sido pensado nem calculado, ganhar evidência como o paladino mundial da defesa dos palestinos. Entretanto, o resultado pode ser muito diferente das expectativas dos dois governantes. A contundência da fala de Lula está tendo repercussão mundial, que pode intensificar o movimento global de crítica aos crimes de guerra que o governo de Israel está cometendo. Por outro lado, mesmo que ganhe prestígio nos movimentos sociais anti-imperialistas, Lula se isola no mosaico geral de Estados, distanciando-se do mundo ocidental e de importantes parceiros internacionais. Pretendendo liderar o chamado “Sul-Global”, seja lá o que isso signifique, Lula pode reforçar a polarização mundial, e jogar o Brasil no polo liderado pela grande potência que é a China. Na verdade, o presidente brasileiro já abandonou a neutralidade desde que demonstrou simpatia com a Rússia, para dizer o menos, na sua invasão da Ucrânia.
A incontinência verbal de Lula, quando abandona o texto escrito, tem acontecido com alguma frequência e tem gerado momentos constrangedores para nossa diplomacia mas o fato relevante é que a resposta do governo de extrema direita do Estado de Israel ao ato terrorista do Hamas em outubro do ano passado tem passado dos limites das regras internacionais que protegem as populações civis em casos de guerras. Pelo noticiário que nos chega os atos executados pelas forças armadas do Estado de Israel podem ser enquadrados como crime de guerra.
Editorial mais correto impossível, nessa situação trágica. Longe de mim querer defender o uso que Lula fez do termo “holocausto”. Mas vou relatar o que aconteceu esses dias quando tomei um taxi quando choveu de repente. Quando ligou o taxímetro, no rádio ligado reportavam reações indignadas contra essa fala de Lula que pretendia parar a matança (e só piorou a situação…). O taxista desligou o rádio protocolarmente (já que entrou passageiro) e disse: “Lula falou a verdade. Mas essa palavra não pode usar.” Será simplesmente porque o ensino de história na escola não é grande coisa? E olha que os taxistas de São Paulo não são propriamente uma categoria “de esquerda”.