Lula e Haddad

Lula e Haddad

Diz-se muito sobre a polaridade irreconciliável entre a extrema-direita e a esquerda no Brasil. Um país dividido, sem perspectivas de entendimento. Eu mesmo já escrevi sobre o impacto negativo disso no desenvolvimento e na melhoria das condições de vida no país.

É verdade, não tenho dúvidas. Porém, acredito que há outra polaridade tão nociva quanto: um projeto social defendido por um governo eleito versus uma sociedade rentista, sustentada pelo mercado financeiro. Desde a eleição, mesmo antes da posse, essa querela já era evidente.

Querer impor um governo meramente fiscalista, priorizando a manutenção da escorchante margem de lucro das aplicações financeiras e ignorando um programa de campanha baseado na dignidade para os menos favorecidos, é o discurso dos próceres da Faria Lima. Com grande poder sobre o Banco Central e a mídia, difundem a ideia de que o país está em situação terrível, prestes a se tornar ingovernável e perdulário.

Um ex-ministro da Fazenda chegou a afirmar que, ao adotar políticas de esquerda, o Brasil poderia “virar a Argentina em seis meses e a Venezuela em um ano e meio”. Essa visão catastrofista é amplificada pelo mercado financeiro, criando uma “semana do caos”. O dólar disparou, a Bolsa caiu vertiginosamente, mas, a meu ver, essa reação é temporária e reflete mais insatisfação com cortes que preservam o plano de governo do que fundamentos econômicos reais.

Os cortes propagados inicialmente miravam áreas essenciais como saúde, educação e ciência. A defesa era de um retorno aos princípios neoliberais, reduzindo o papel do Estado e minimizando programas sociais. Entretanto, os dados divulgados nesta mesma semana contradizem essa visão apocalíptica: o desemprego está no menor nível da série histórica, a expectativa de vida cresceu, e a economia supera as expectativas, enquanto a inflação permanece sob controle.

É evidente que governar sem maioria no Parlamento não é tarefa fácil. Implementar políticas econômicas que desafiam o pensamento liberal dominante exige um gênio político. No início do governo, era fundamental remover o Teto de Gastos e avançar em reformas que corrigissem distorções financeiras e fraudes em programas sociais. Embora o ideal não tenha sido alcançado, houve avanços importantes, como o ajuste fiscal e a reforma tributária.

As críticas continuam, com acusações de “gastança” e foco exclusivo no aumento de receitas. Em meio a esse cenário, uma articulação cuidadosa foi conduzida nos bastidores. Quando o esperado pacote de cortes foi finalmente apresentado, trouxe uma surpresa: uma reforma tributária que reduz impostos para a classe média baixa e aumenta a tributação sobre rendas mais altas, começando por aqueles que ganham mais de R$ 50 mil por mês.

Essa proposta, embora desagradável ao mercado financeiro e à mídia, reforça o compromisso com a campanha e busca construir um país mais justo. A resistência inicial do mercado, com alta do dólar e queda na Bolsa, não altera o fato de que os princípios dessa reforma são difíceis de contestar publicamente.

A jogada não foi prevista pela Faria Lima. É uma estratégia que, mesmo enfrentando desafios de curto prazo, mira no objetivo central do governo: um Brasil menos desigual.