emas

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O ovo, por conta do seu preço nas alturas, saiu das mesas e geladeiras e foi bater no noticiário. No momento, o brasileiro sonha com sua volta às refeições, mas, quando pensa no ovo, pensa no preço impensável para uma simples dúzia. “É preciso dar um jeito, meu amigo”, como diria a canção de Erasmo, a qual voltou a estar por aqui. Que pelo menos o ovo se salve da inflação dos alimentos! No fundo do seu coração, ou melhor, no fundo do seu estômago, o brasileiro reza para que o ovo desça de onde subiu.

O presidente Lula, assim como se diz de Colombo, quer colocar o ovo em pé. Afinal, sem ovo no prato do povo, não há governo que se sustente e cante de galo! Que pelo menos o ovo navegue tranquilo e pacifique a nação. Anistia já para os que furtam ovos ou para os ladrões de galinhas, essas abnegadas mães, obrigadas pelo destino a renunciarem a seus pintos em favor da nutrição universal. Anistia para os próprios ovos. Sem eles não há bom protesto contra nada: abaixo tomates e pedras. Lancemos ovos. Com boa pontaria e uma dúzia deles se constrói uma cenográfica indignação. Com claras e gemas escorrendo pela cara, não há corrupto que faça pose de “patriota”. O ovo, em vários sentidos, é um amigo das democracias.

Balzac, num de seus romances, nos diz que a expressão “pisar em ovos” foi criada por Walter Scott. Pelo jeito, o povo gostou. Mas convenhamos que ela  tem uma deliciosa ambiguidade, pois “pisar em ovos” é justamente não pisar em ovos. O grande escritor escocês, logo se nota, amava os ovos e as contradições. Quanto a nós, brasileiros, também os amamos e queremos apenas preservá-los em nossa mesa cotidiana. Nem citarei, por dispensáveis, outras expressões em que os ovos estalam na nossa língua, o que só prova a popularidade de seu valor.

Já que falamos de Balzac e Walter Scott, por que não de Clarice Lispector que num texto híbrido e bem mexido, incrustado em seu livro “A imitação da rosa”, exalta o ovo? Pergunto-me quanto custaria, em 1973, ano da obra clariciana, uma dúzia de ovos? Interroguei o Google, que, não sabendo a resposta, me ofereceu outros anos já passados… Hoje, com a “alta” do ovo, podemos, com “animus jocandi”, contradizer Clarice em vários momentos do seu heideggeriano texto. 

Eis a abertura do “conto” “O ovo e a galinha”: “De manhã, na cozinha, sobre a mesa vejo o ovo”. Engano total. Ninguém vê mais ovo algum, é como, desculpem o trocadilho, procurar pelo em ovo. “A gente não sabe que ama o ovo”. Perdão, Clarice, novo engano: desde crianças, amamos o ovo, e dele os aventais da mamãe estavam sempre sujos, como diz uma velha canção. “O ovo não existe mais”. Claro que existe, mas só para quem tem dinheiro e, de resto, não há galinhas tão tímidas que não ponham ovos. “O que eu não sei do ovo é o que realmente importa”. Vã filosofia da escritora! O realmente importante é o que já sabemos do ovo, que ele contém proteínas e antioxidantes, e isso é ótimo. “De ovo a ovo, chega-se a Deus”. Aqui, nesse arroubo místico, peço perdão aos crentes e ouso dizer que de “ovo a ovo” se pode apenas matar a fome!… Outra frase da escritora raia por uma poesia um tanto exagerada: “O ovo é o grande sacrifício da galinha”. Tal sentença passa uma esponja, digamos, no natural da natureza. No entanto, o ovo passou a ser, sim, o grande sacrifício do povo…

Ao que parece, a inflação do ovo, num evento extremo, chegou ao Palácio da Alvorada. Diz o noticiário e falam as más línguas que Lula estaria comendo ovo de ema. A ser verdade, eu diria o seguinte: “Presidente, não coma esses ovos, que sei abundantes aí no Alvorada (uma ema, a cada dois ou três dias, põe entre cinco e quinze ovos de meio quilo!!!). Aconselho, para sua saúde, presidente, que não faça isso. Sei que são ovos poderosos os dessas aves tão úteis. Mas essas simpáticas emas palacianas, quem não se lembra?, tomaram doses maciças de cloroquina e de bolsonarismo. Estão contaminadas, presidente! E isso é golpe, presidente, golpe baixo! Anistia, uma ova!”.