David Hulak 

 

Sofri. Os dias passadas da tragédia que envolveu Eduardo Coutinho, sua mulher e o seu filho ainda doem.

O chocante da tragédia é que o trágico é inelutável, ao menos para os gregos cujas pitonisas e cassandras, em Delos, em Troia e sempre em Sófocles, não se cansam de avisar. Mas tem jeito não, ela chega.

Milhares morrem por violência neste país, diariamente; milhões no mundo, como lemos e ouvimos nos noticiários. Eles estão cada vez mais competentes em registrar o mundo-cão. Passamos batidos. É para nós distante. Não chega perto.

Quando ela chega para os próximos ou para os que, mesmo distantes, amamos vem a porrada.

Coutinho era de poucos amigos por sabedoria. Barretão declarou que o amava, mas ele era “fechadão”. Entendo. Vivia na dele, pois a sua já lhe seria o bastante.

Conheci-o, como todos no MCP, na produção do Cabra Marcado. Exultei quando chegou a salvo no Rio após uma epopeica viagem desde a Paraíba, acusado de ser um cubano subversivo, certamente por conta de sua barba.

(Atenção comissões das verdades e cineastas, pois essa história ainda não foi contada).

O milagre da recuperação dos copiões das tomadas na Paraíba que, salvos da sanha fascista,  permitiu a revolução na linguagem do cinema documental no Brasil.

Admirava a sua rebeldia contra a aceitação do que não tem jeito, mas insinuando o que poderia ser se não fosse como está, deixando os seus depoentes/ personagens à vontade para dizer.

Coutinho era como Leon Hiszman ou Carlos Fernando um daqueles bons por unanimidade. Tipo gente fina. Manso no trato quando se permitia. Assim eu o via.

Houve época, no tempo da Mapa Filmes, a de Leon e Marcos Farias, em que  fui privilegiado por  convívio  com a sua  irônica bondade, com o sarcasmo do bem dos comentários coutinianos.

Nesse janeiro, no Rio, na casa de um amigo, perguntei por seu telefone ou e-mail e nos refestelamos em falar bem dele. Só recebi a informação ao voltar a Pernambuco.

Coisa e loisa não entrei em contato. Agora é tarde.

Crianças: não deixem para depois o que poderiam ter feito muito antes.

Passados o velório e sepultamento assim como o impacto midiático há que mantê-lo vivo.

Certamente os canais Arte1, Cultura e Globo News vão passar especiais e até repetir os seus documentários. Fiquem atentos. Depois, provavelmente, só os veremos nos “cinemas de arte”.

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