João Rego, 12 de abril de 2014.
A interpretação que trago aqui sobre a obra Drácula, de Bram Stoker, de maio de 1897, é baseada na abordagem psicanalítica sobre o homem e sua relação com mundo. Trata-se do universo construído por Freud que teve início com o estudo da histeria, no qual ele descobre a instância do inconsciente, um dos pilares da descoberta da psicanálise sobre o homem. A estrutura psíquica do homem tem seu leit motiv no desejo. Não o desejo explícito, do qual temos consciência em nosso dia-a-dia, mas sim o desejo inconsciente, ao qual somos alienados e que molda as nossas vidas, determinando o nosso caminhar pelo mundo.
O sujeito humano é constituído pelos desejos que as figuras parentais sobre ele depositam.
A criança, antes de aceder à linguagem e de constituir-se como sujeito, tem com a mãe uma relação fusional. Não tem seu Eu ainda definido. Será através da ruptura dessa relação, digamos, incestuosa, exercida pelo Pai, que o sujeito dá início à construção do seu ser. Assim, somos constituídos como sujeitos humanos a partir da castração, do corte de algo que nos era fundamental na construção do nosso universo afetivo: a mãe.
Formamo-nos como sujeito incompleto, exatamente por conta dessa falta estruturante em nossa alma. Heidegger, em sua obra Ser e Tempo, expressa um pensamento radical sobre nossa natureza humana: somos seres fundados na angústia.
A partir daí o sujeito busca se construir através da relação libidinal com outros objetos.
A libido é um conceito de Freud para definir essa energia sexual que permeia toda nossa estrutura desejante. Em outras palavras, é o combustível da vida, posto que esta sexualidade poderá ser orientada para um fim genital ou desviada para outras expressões do humano, tal como o trabalho e a criatividade. Estas, como sublimação.
A libido recalcada é fonte de sofrimento neurótico.
Somos seres que demandam permanentemente o afeto do outro para tentarmos nos complementar e seguir caminhando pela vida. É uma tentativa incessante, e sempre frustrada, que se repete indefinidamente… até a morte, pois a mãe mítica é o objeto perdido para sempre. Objeto causa do desejo. A essência do desejo é a falta. Só desejamos aquilo que ainda não temos. Paramos de viver quando paramos de desejar.
Drácula é uma extraordinária alegoria deste sujeito clivado por uma falta ( angústia) que lhe estrutura como ser desejante. Um ser que está condenando a absorver a vida de outro para se manter vivo, garantindo sua existência, seu Eu.
Jamais será saciado, pois sua falta se renova a cada vez que acaba de ser realizada – assim como o ato sexual ou a criação do artista -, deslocando-se para outro objeto, obedecendo incessantemente a um poderoso mecanismo do inconsciente: a repetição.
O contato físico, a mordida no pescoço, que é uma explicita forma sensual de contato humano, revela a forte componente da sexualidade na materialização dos desejos do conde.
Somos todos um pouco deste Drácula. Sentimos a imperiosa necessidade de termos nossas vidas sempre permeadas por laços afetivos e sexuais (libidinais) com outros objetos para nos sentirmos completos, felizes. Na falta disto – quando a libido não encontra expressão – se instala a angústia como sintoma em nossa alma. Insuportável, posto que é da mesma ordem da castração, da morte.
A luta de Drácula é contra esta angústia, ainda mais intensa pela terrível perspectiva da imortalidade.
DITOS & ESCRITOS
João Rego
joaorego.com
Amigo João, só para registrar: o Drácula do Bram Stoker, brilhantemente analisado no artigo, é simplesmente odiado na Romênia, terra do Conde original. Lá ele é tratado como herói nacional, que empalava os inimigos para proteger o país. A maldade a serviço do bem comum, vale outro artigo. Abraço, Ze
João, é esta a angústia que o artista sente? Ou melhor, a angústia que sentimos que nos força a fazer arte e ao mesmo tempo o desejo de produzir vem acompanhado desta angústia, desta insegurança, seria explicada por esta teoria freudiana?
Caro Eulâmpio:
Se sua arte vem como uma tentativa direta de estancar uma angústia, essa é a pura arte. Embora tenha muita coisa boa feita sob encomenda, mas aí, já é outra a força impul$ionadora da criação.
Este sujeito estruturalmente incompleto já está, há muito, identificado pelos poetas, artistas, filósofos e escritores. Sócrates e Shakespeare são exemplos e foram forte influência sobre o pensamento de Freud. Inicialmente, Freud não tinha a preocupação de pensar o ser humano e o social, era pura preocupação científica de investigar as doenças da alma, (e aqui não me refiro a alma no seu conceito espiritual e sim filosófico ) foi graças a sua vasta formação intelectual que a psicanálise surgiu, e desde seu início, rompe o estreito, empoeirado e pretencioso foco que a medicina tenta em identificar o ser humano apenas pela via do biológico.
Há um evidente sentimento de onipotência na medicina em querer dar conta do humano com seus conceitos e aparato tecnológico – vejo hoje na Isto é um especialista de Stanford explicando as causas da depressão por este limitado viés.
A religião há muito, ganha cartaz e dinheiro com uma aparente solução para tamponar essa angústia de sermos para a morte.
Para quem conhece um pouco de Freud e principalmente da obra de Lacan, que envolveu o pensamento de Freud com filosofia das boas ( Hegel, Heidegger e turma) é risível o que se fala.
Como tentar apreender as razões do desejo humano com uma máquina que mostra –até colorido- as variações das atividades cerebrais do sujeito? O corpo humano é uma pálida expressão, ou caixa de ressonância do desejo, como falta (angústia) que estrutura o sujeito ao inconsciente! E o desejo, assim como o inconsciente provém do outro.
Para a Psicanálise somos fundados na angústia (estruturante do sujeito), perpassados pela linguagem e desejante para a morte.
Mais aí eu já ultrapassei e muito a sua resposta que, como vê, não é simples.
Continue criando suas inquietantes esculturas.
Um abraço
João Rego