Tem-se observado no Brasil de 2014 um fenômeno de radicalização e violência preocupante. Raras as manifestações públicas que não terminam com queima de ônibus e de banheiros químicos, ocupação e fechamento de estradas com queima de pneus, e, com frequência, choque com a polícia. Estranha explosão de violência num país com democracia consolidada, com liberdade de expressão, organização e manifestação, com imprensa aberta e total liberdade de publicação. Essas explosões de violência começaram na verdade nas manifestações de junho de 2013: um marco positivo de afirmação da sociedade civil de insatisfação com os serviços públicos oferecidos pelo governo. A violência naquelas manifestações era, porém, apenas de grupos minoritários no meio da multidão que se manifestava pacificamente. Ademais da insatisfação manifesta nas ruas em meados do ano passado, existe também uma crescente desconfiança da sociedade em relação às instituições e a obstrução dos canais de representação e negociação. Pesquisa realizada em 2013 (IBOPE) mostra que a confiança nas instituições caiu de 58 (numa escala de 1 a 100), em 2009, para 47, em 2013, sendo os Partidos Políticos e o Congresso os que merecem menos confiança da sociedade e a Presidência da República a que sofreu o maior declínio de 2009 a 2013. Nada disso pode, contudo, legitimar a violência gratuita dos manifestantes. Aos pensadores sociais brasileiros, cabe um esforço para entender, “no calor da hora”, o que significa isso. Ao poder público, cabe preservar o interesse do bem comum, o que significa punição à altura dos crimes cometidos contra o patrimônio público.
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Nasci no Alto do Mandu e tenho 18 anos. Quando eu era menino, pensava que todo mundo vivia como eu. Achava a vida até boa, brincando com meus amigos, indo à escola onde jogava bola, comia uma merenda e aprendia a ler e escrever. Não terminei o ensino médio porque achei melhor ganhar dinheiro fazendo algum serviço. Eu sabia ler e escrever e mais nada. Carreguei balaio na feira, fui ajudante de pedreiro e trabalhei numa oficina de carro. Não tinha carteira assinada,dava um duro da porra e nem sempre tinha serviço e eu ficava liso. Comecei a achar que nunca teria uma casa, um carro nem dinheiro para gastar com as mulheres. Via os bacanas na cidade com roupas, tênis, Ipads da melhor qualidade e sentia raiva, mas não havia o que fazer. Em junho de 2013, assisti uma multidão de gente jovem muito bem vestida protestando contra a corrupção e a má qualidade dos serviços públicos. Eles têm razão, pensei, também vou protestar. Entrei num grupo de caras parecidos comigo e comecei a gritar como eles. Nós tínhamos muito mais motivos para reclamar. Aí vimos a polícia toda preparada para não deixar ninguém passar. A garotada bem vestida (homens e mulheres) parou com medo de levar porrada. No nosso grupo, um cara tocou fogo num saco de lixo e num banheiro de plástico. Outro jogou uma pedra numa vitrine. Aí eu vi que toda a minha vida tinha sido uma merda e aquela era a hora de mostrar que eu não estava disposto a continuar calado, obrigado a trabalhar muito, ganhar pouco e morar na porra de um morro. Aí, botei pra foder e vou continuar botando. É isso.
Eis o momento de perceber o resultado da extrema violência da classe dominante brasileira. Os vândalos da escravidão e da sobre exploração do povo, agora diz! e não estamos em uma ampla democracia? e tudo não se faz dentro da forma legal? então penso, e o Amarildo, lembram-se? e o bailarino? e todos os pobres que morrem no belo cotidiano da democracia brasileira. Parece que os vândalos são outros, os quais se encontram longe dos palcos da violência, já os que a praticam diretamente são parte de todos os pobres, e o fazem a mandado dos donos de todos os seres e de todos os poderes, e fazem para comerem as migalhas que caem da mesa dos mandantes. E o mais interessante é que os que escreveram este editorial sabem disto melhor do que todos nós. São os teóricos do vandalismo intelectual. Ideologicamente, usam uma parte e analisam o todo, deixando de fora do seu discurso, tudo necessário à compreensão do real. Caros amigos, que tal a dialética do esclarecimento?
Caro Délio:
Não conhecíamos o conceito de “vandalismo intelectual” e, embora você não revele na sua mensagem, estamos entendendo que serve muito bem para denominar as pessoas que se esquivam do debate de ideias utilizando velhos chavões e contornando o tema com a referência a um outro método. Não seria melhor para os leitores da Revista Será? se utilizasse o método proposto – dialética do esclarecimento – para refutar a argumentação do texto? Não seria muito mais rico, interessante e instigante se, em vez de apenas afirmar que os autores do Editorial são “teóricos do vandalismo intelectual” se explicitasse o que é este “tudo que permite compreender melhor” o fenômeno da violência na sociedade? E qual é esta “extrema violência da classe dominante”? Aliás, quem é mesmo a classe dominante? Há 12 anos, o Partido dos Trabalhadores e o sindicalismo controlam os principais núcleos de poder do Brasil e, com todas as críticas que possam ser feita a este governo (muitas mesmo já fizemos nos Editoriais), não podemos acusa-lo de usar a violência contra o povo. Como sabemos do seu tom polêmico, caro Delio, convidamos a apresentar a sua percepção deste fenômeno da violência nas manifestações. Nas entrelinhas da sua mensagem parece que está vendo neste fenômeno a “violência revolucionária” contra a violência da classe dominante. É isso mesmo? Grato pela sua participação com seu estilo duro e direto. Esperamos que aproveite para fundamentar sua visão da realidade.
Os Editores
Caro Délio e todos:
Enquanto os César Garcia (aliás, César me passe o nome da Escola Pública em que estudastes, muito boa!) da nossa sociedade estiverem pautando e canalizando suas inquietações existenciais motivados para se chegar ao nirvana do consumo (tênis, Ipad, jeans)– desejo especular da classe média (que porra é isso?), dos bacanas, como disse- não haverá solução. A Industria cultural (remetendo a um termo criado na Dialética do Esclarecimento – Adorno e Horkheimer Ed.Zahar.) goza com isso!
Já pararam para pensar que beleza para o capitalismo vê os Rolesinhos quebrando e invadindo Shoping Centers para se alimentarem do desejo do consumo?
Isto é o suprassumo do sucesso do Capitalismo Moderno! Multidões ávidas para se integrarem ao consumo.
Délio, hoje há mais mistério nesse capitalismo moderno – da sociedade da informação – do que o nosso, hoje pueril, marxismo poderia jamais imaginar.
A democracia, duramente consolidada aqui no Brasil, é o único ambiente para mudanças estruturais. Aí estou com Sérgio. Apesar de entender seu desabafo e o de Fernando.
P.S – Se ser vândalo intelectual é desconstruir, de forma sistemática, as velhas igrejas mofadas das ideologias obsoletas; se ser vândalo intelectual é não se achar dono de alguma verdade, mas pelo contrário, filhos de uma inquietante incerteza; se ser sê vândalo intelectual é sair irradiando inquietação e incertezas sobre tudo que faz nossa humanidade, considero isso um forte e imerecido elogio.Sinal de que lestes bem a Dialética do Esclarecimento para encontrar traços disso em nossa Revista.
Um abraço do amigo.
P.S 2 O Real é, para sempre, inapreensível, é um furo, um buraco negro no nosso narcisismo intelectual. Tudo que fazemos é caminhar pelas suas bordas, com angústia, as vezes com desamparo outras com desespero.
Discordo da estranheza acentuada no Editorial acima. A democracia que temos de fato é e sempre foi restrita. Ela exclui a maioria dos brasileiros. Liberdade de expressão, por exemplo, é um direito que importa apenas para a minoria que pensa e opina no Brasil. Não significa nada para a maioria que vive um cotidiano factualmente opressivo e violento. Nossa violência é endêmica e impregna nossos modos correntes de vida. É tão endêmica que nem a percebemos. O que me espanta é a persistência dessa percepção mítica de um país sempre representado como alegre, feliz e festeiro. Somos também isso, mas tudo isso convive com a violência. Portanto, nada de estranhável. Aliás, acho mesmo é que devemos nos inquietar não só com o que está acontecendo, mas também com o tom dos dois comentários que precedem este meu, que diante deles é sinceramente banal e previsível, vindo de quem vem. Acho que o leitor de Será? deveria ler com muita reflexão o tom dos comentários acima. Eles são a faísca de uma violência social há muito reprimida neste país que me inquieta e transtorna minhas medidas de compreensão.
Não resisto ao desejo de fazer uma adição ao meu comentário. O comentário de César Garcia parece o fragmento de um conto de Rubem Fonseca, escritor que ousaria dizer profético. Como sabemos, ele teve um livro de contos (Feliz Ano Novo) censurado pela ditadura. Se não soubesse um pouco de política, acharia irônica a censura a uma obra literária sobre a violência brutal no auge de uma ditadura. Acho sintomático o fato de o escritor que melhor traduziu literariamente a violência brasileira ter sido um delegado de polícia. Continuo achando que o conjunto da obra de Rubem Fonseca é o que melhor explica os formigueiro urbanos que habitamos. A classe dirigente brasileira, herdeira do colonialismo e do escravismo, continua governando a sétima economia do mundo com a mentalidade dos engenhos cujo fogo já se apagou há muito tempo. Essa é uma das contradições desconcertantes entre a história das mentalidades e a econômica.
Caro Cezar
Seu depoimento é forte e convincente e a sua indignação com a desigualdade é legítima até porque tem sido a sua própria história pessoal dentro de um país injusto. Mas, embora possa explicar a explosão de violência, o que você descreve não permite defender a violência como forma de manifestação social. Primeiro porque, mesmo com todas as limitações, existem sim caminhos e alternativas não violentas de briga pelos seus interesses e contra as injustiças. Nada o impede de se organizar, se manifestar, dizer o que pensa e o que pretende e sair às ruas com suas propostas. Segundo porque não me parece que a violência possa gerar algum resultado positivo, além da liberação do seu ódio com a injustiça social. Sua mensagem é impactante pela verdade da sua revolta, que deve ser a revolta da população de pobres deste país miserável. Mas o caminho da mudança é outro, o caminho da mudança, e não apenas do desabafo pessoal, é político, o que não significa a política formal e partidária mas a ação política na organização da sociedade e na participação nos movimentos sociais. Os brasileiros mais velhos, Cezar, lutaram no passado, com risco e sofrimento, pela construção de instituições democráticas e, nosso entendimento é que, apesar das suas enormes limitações, é por elas que passa a luta política que pode levar a um Brasil justo, como fizeram várias outras nações do mundo. Ou você acha que não valeu de nada o esforço para a criação destas instituições? A sua revolta é muito positiva mas me parece que seria mais útil e construtiva se fosse canalizada para uma luta política por mudanças sociais, mudanças estruturais efetivas, e não esta distribuição de migalhas do “Bolsa Família” que serve para anestesiar, mudanças profundas na organização da sociedade, principalmente no acesso amplo à educação pública de qualidade. Os resultados demoram, as conquistas são lentas e parciais, é certo. Mas são efetivas e mudam o Brasil. “Botar pra fuder”, como você fez e quer continuar fazendo pode servir como um desabafo pessoal. Mas o resultado será nenhum. Se algum houver não será positivo para o Brasil menos ainda para os pobres e marginalizados como você. Pense nisso. Saiba que a sua mensagem me fez pensar muito. Continue escrevendo. Esta é uma forma de fazer política construtiva.
Meu caro César,
Quero te parabenizar. Você conseguiu o que todos os bons ficcionistas perseguem: inventar um personagem tão convincente, que meus dois companheiros editores te responderam como tal, o jovem de 18 anos do Alto do Mandu. E com essa ficção você levantou a questão essencial, para a qual estamos todos tateando no entendimento, desde o inusitado das manifestações de junho do ano passado.
Essa Opinião, que é nosso editorial semanal, é muitas vezes motivo de discussão prévia entre nós. Foi o que aconteceu dessa vez. O texto terminou sendo escrito a dois, por Sérgio e por mim. A ideia geral do texto é de Sérgio e a frase final, talvez a mais controversa, é minha: “Nada disso pode, contudo, legitimar a violência gratuita dos manifestantes. Aos pensadores sociais brasileiros, cabe um esforço para entender, “no calor da hora”, o que significa isso. Ao poder público, cabe preservar o interesse do bem comum, o que significa punição à altura dos crimes cometidos contra o patrimônio público.”
Realmente, tenho convicção de que, não é por nosso país ter uma secular tradição de desigualdade social e opressão sobre os pobres, herança maldita da escravidão; e por ter uma elite governamental que, ela própria, em alguns de seus segmentos, desvia recursos destinados ao bem comum para seus interesses pessoais; não é por isso que o poder público, democraticamente escolhido pelo povo, pode se omitir de seus deveres. A punição faz parte dos deveres do Estado, sempre que se ameace o bem comum.
E quem para punir os que detêm as rédeas do poder, quando estes perdem legitimidade em face de seus próprios crimes contra o bem comum? A democracia, com todas as suas imperfeições, fornece os meios legítimos para a expressão da insatisfação da sociedade.
A sociedade brasileira sofre, porém, de um mal de origem, que se junta à sua extrema desigualdade social. Os seus ganhos em direitos políticos e sociais foram quase sempre imiscuídos com as dádivas do Estado, como, por exemplo, as grandes conquistas sociais da Era Getúlio Vargas, um de nossos maiores estadistas; ou a radicalização do vínculo umbilical do movimento sindical com o Estado da Era Luis Inácio da Silva.
A promiscuidade das demandas sociais com as dádivas do Estado brasileiro contribuíram para uma certa acomodação da sociedade. Mesmo assim, a soma de muitas dádivas levou a melhorias reais. No período pós Ditadura Militar 1964-1985, o controle da inflação, aumento do salário mínimo e inserção no mercado de uma nova classe média. Processo que foi se construindo desde a Era Fernando Henrique Cardoso.
A pressão popular em manifestações de rua é como se fosse um grito da sociedade, um grito de desespero. Desde junho, fazem parte desse grito os que se manifestam pacificamente e os que se manifestam violentamente.
O gigante adormecido acordou. Nas ruas, estranho seria não esperar a revolta daqueles personificados por você, César. E agora, José?
Aí está o erro da interpretação. O problema é de lastreamento teórico.
Existe democracia consolidada num pais onde, de cada 100 assassinatos, oito serão investigados?
Compare nossa democracia com as democracias latino-americanas. Quando a comparação é feita sobre a perspectiva eleitoral, a do Brasil é uma das mais sólidas (se não for a mais sólida).
Mas, quando o foco é a qualidade de seu estado de direito, nas palavras de Paulo Sérgio Pinheiro “um estado usável”, percebemos que o Brasil estará entre os piores.
Democracia com altos níveis de violência não é democracia consolidada. É, no máximo, uma semidemocracia (na falta de um termo mais adequado).
abs.
JM
Para César, real ou fictício, e demais debatedores.
Sempre tenho aquela sensação frustrante de:” pô, eu gostaria de ter dito isso!”
Como não vou plagiar rogo, suplico, que abram os dois link abaixo
http://blogs.estadao.com.br/fausto-macedo/ministro-do-supremo-diz-que-pais-vive-apagao-de-gestao-e-que-escandalos-da-petrobras-causam-constrangimento/
http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/arnaldo-jabor/2014/05/06/BRASIL-ESTA-COM-ODIO-DE-SI-MESMO.htm