Bem antes de Domenico de Masi com o seu ócio criativo, nosso mais brilhante e criativo escritor, Ariano Suassuna, fez o belo elogio da preguiça através do ócio criador do poeta Simão na “Farsa da boa preguiça”, peça carregada de sabedoria e humor publicada em 1960. “Há um ócio criador/ há um ócio danado/ há uma preguiça com asas/ outra com chifres e rabo/ há uma preguiça de Deus/ e outra preguiça do Diabo”. Confrontando assim a boa a e má preguiça, Ariano faz uma aguda crítica social, desconstrói o conceito do trabalho que dignifica o homem e denuncia o ócio compulsório do desemprego. “Atualmente – diz ele na Farsa da boa preguiça – a nossa situação é esta: de um lado, uma minoria privilegiada, com direito ao ócio, quase sempre mal aproveitado, danoso e danado; do outro, o Povo, colocado entre duas cruzes: a cruz do trabalho escravo, intenso e mal remunerado e a cruz pior de todas, a do ócio forçado, do lazer a pulso do desemprego”. Ariano Suassuna conclui a sua farsa com o poema:
“Viva a preguiça de Deus
que criou a harmonia,
que criou o mundo e a vida,
que criou tudo o que cria!
Viva o ócio dos Poetas
que tece a beleza e fia!
Viva o povo brasileiro,
sua fé, sua poesia,
sua altivez na pobreza,
fonte de força e Poesia!
Oitenta anos antes, o marxista francês Paul Lafargue, genro de Karl Marx, publicou o instigante livro “Direito à preguiça” com um louvor ao ócio e uma crítica dura à ideologia do trabalho: “Jeová, o deus barbudo e rebarbativo, deu a seus adoradores o supremo exemplo da preguiça ideal: após seis dias de trabalho, descansou por toda a eternidade”. Ariano descansa agora por toda a eternidade. Mas ele não queria esse descanso, queria o ócio criador do poeta.
“nosso mais brilhante e criativo escritor” é um tanto exagerado, hein?
Não considero exagero, pois sua criatividade e seu talento não tinham tamanho, ele tinha luz própria e a fazia brilhar sem cessar através de seus constantes atos de humildade e desafetação.
Penso que Ariano Suassuna era ainda mais. Ele era “nosso mais brilhante e criativo” intelectual. Talvez não fosse nosso maior romancista. Talvez não fosse nosso maior dramaturgo. Com certeza não era nosso maior poeta e muito menos nosso maior ensaísta ou pintor. Porém, não há ninguém que se iguale a ele quando se trata do conjunto da obra.
Fazendo coro aos que já protestaram contra as restrições à qualidade de escritor de Ariano, tão justamente proclamada no editorial, faço um repto ao autor do questionamento contestado: quem, entre os brasileiros escritores de ficção contemporâneos de Ariano, poderia ser situado acima dele? E digo mais: quem o considera um “poeta menor” provavelmente não conhece bem a poesia dele. Aliás, o próprio Ariano julgava a poesia a parte mais importante da sua obra, embora a tenha mantido inédita por muito tempo.
Como romancista e teatrólogo, divulgador cultural, obstinado defensor dos nossos valores nordestinos e brasileiros, além de intelectual íntegro, ninguém pode ter sido melhor do que ele.
Se alguma referência pode ser feita à sua pessoa, além da simples louvação, seria sobre uma certa ingenuidade política, aliás admitida por ele próprio. Como uma vez me disse, ele se preparou a vida toda para ser escritor, e não político. Sempre corria o risco de ser “enrolado” por qualquer vereador de cidadezinha…